segunda-feira, 23 de abril de 2012



Anteprojeto do Código Penal criminaliza manipulação de jogos e revenda de ingressos por preço maior

De olho nas competições esportivas internacionais que terão sede no Brasil nos próximos anos, a comissão de reforma do Código Penal aprovou nesta segunda-feira (16) proposta que torna crime a revenda de ingressos por preço maior, como a praticada por cambistas, e tipifica a fraude de resultado de competição esportiva.

O presidente do grupo, ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acredita que a previsão desses atos no novo CP trará mais segurança aos eventos.

A revenda de ingressos de eventos culturais e esportivos por valor maior do que o constante no ingresso poderá render ao infrator pena de até dois anos. Já a fraude de resultado terá pena de dois a cinco anos de reclusão. “São atos que podem parecer simples, mas que na verdade afrontam toda a sociedade”, opinou o desembargador José Moinhos Pinheiro Filho, membro da comissão.

O autor do texto aprovado, advogado Marcelo Leal Lima Oliveira, que também compõe a comissão, classificou de grave a conduta dos cambistas e disse que não se trata mais de um ato inofensivo, feito por quem depende daquilo para sobreviver.

“Hoje, vemos cambistas sendo utilizados como fachada pelos próprios clubes, que por vezes precisam desviar os ingressos de uma eventual execução judicial, por exemplo”, explica o advogado. Para Leal, trata-se de uma conduta que desequilibra a competição. “Ela agride não só o consumidor, mas essencialmente a competição como um todo”, observou.

Organização criminosa

O novo Código Penal trará, também, a distinção de associação criminosa e organização criminosa. O CP atual fala apenas de formação de quadrilha ou bando. O ministro Gilson Dipp chamou a atenção para a importância da mudança, que equipara a legislação brasileira ao que estabelece a convenção das Nações Unidas sobre o tema.

“É preciso haver tratamento diferente para grandes organizações, que tem uma lesividade social muito maior do que o bando de criminosos que eventualmente se associam para praticar um crime”, explicou.

A comissão ainda ressaltou que o objetivo da organização criminosa não precisa ser, necessariamente, uma vantagem econômica, mas de qualquer natureza. A pena para essa conduta será de três a dez anos.

Trânsito

Durante a reunião, a comissão tratou, também, dos crimes de trânsito. Uma das alterações aprovadas, no entender dos juristas, sana definitivamente os equívocos legislativos quanto ao crime de embriaguez ao volante.

Com o novo texto, o polêmico índice de alcoolemia previsto na Lei Seca – de seis decigramas de álcool por litro de sangue – deixa de existir, bastando que o motorista esteja dirigindo sob efeito de álcool e expondo a dano potencial a segurança viária. A comprovação, segundo a proposta, pode se dar por qualquer meio de prova que não seja ilícito.

Recentemente, a Terceira Seção do STJ decidiu que apenas o exame de sangue e o etilômetro (bafômetro) são meios aptos a caracterizar a embriaguez ao volante. A decisão levou em conta o elemento objetivo do tipo penal, isto é, a quantidade de álcool no organismo prevista na lei.

“Pela primeira vez, está se dando a redação correta à lei”, comemorou o professor Luiz Flávio Gomes, jurista que compõe a comissão.

Ele afirmou que nem mesmo o texto aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados, chamado de “nova lei seca”, conseguiu sanar completamente as dúvidas sobre a questão. O projeto de lei, em tramitação agora no Senado, fala em motorista “com capacidade psicomotora alterada”, o que daria ensejo a novas discussões.

Crime autônomo

O relator do anteprojeto do novo CP, procurador regional da República Luiz Carlos Gonçalves, ainda ressaltou que a condução de veículo por motorista embriagado passa a ser considerada crime autônomo em relação ao efeito produzido.

“Se o motorista dirige embriagado por quilômetros e, num determinado momento, ele atropela e mata uma pessoa, as duas condutas devem ser punidas – a condução do veículo naquelas condições e o homicídio”, explicou.

De acordo com a proposta, fica explícito na lei que, se o condutor desejar, poderá solicitar imediatamente exame de etilômetro ou de sangue em hospital da rede pública.

A comissão de juristas, constituída pelo Senado, elabora desde outubro do ano passado o anteprojeto para o novo Código Penal. O texto encaminhado pela comissão ainda passará pela apreciação dos parlamentares.

Júri absolve mulher acusada de eutanásia

Um júri popular em Brasília absolveu uma mulher de 79 anos acusada de tentativa de homicídio, mas que na prática quis fazer eutanásia - ela tentou matar um filho adulto que vivia em estado vegetativo após um acidente. O Plano de Saúde Unimed acusou a mulher, que cuidava do filho em casa, de retirar o balão de oxigênio do rapaz e tentar sufocá-lo com um travesseiro para "libertá-lo".

Depoimentos anexados ao processo indicaram que a mulher, I., tentou sufocar o filho em três dias consecutivos de abril de 2003. Na época, ele tinha 42 anos e morreu em 2007.

Médicos costumam chamar de eutanásia ou morte assistida o uso de medicamentos para provocar a morte, a omissão e a interrupção de tratamento. Embora não especifique o crime de eutanásia, o Código Penal Brasileiro estabelece que os envolvidos em casos de interrupção de tratamento ou a prática simples de homicídio devem responder a crime de homicídio com penas de 12 a 30 anos de prisão.

O ato de deixar de prestar assistência é punido com até 6 meses de detenção e pagamento de multa. Se entender que o homicídio foi privilegiado, isto é, teve um valor moral, o condenado pagaria apenas um terço da pena.

I. foi levada a júri por homicídio. O advogado Aurélio Manso, que participou de sua defesa, disse avaliar que o processo envolvendo I. não é de eutanásia, prática que só ocorreria, na sua visão, quando a vítima solicita as providências para a morte. "Ficou provado nos autos que ela não cometeu crime", disse.

Logo após a absolvição, Manso disse que o "calvário" de sua cliente terminou. Ele destaca que I. cuidou do filho por quatro anos após as supostas tentativas de homicídio. I. deixou o Tribunal do Júri chorando e abraçada a parentes. Ela ajuda a cuidar dos dois netos, filhos do homem que vivia em estado vegetativo.

Na denúncia inicial, o Ministério Público escreveu que I. aproveitava a distração de enfermeiros do plano de saúde para tentar sufocar o filho e os profissionais de saúde a teriam impedido de ela executar o crime. O rapaz foi levado para o hospital para continuar o tratamento e retornou à casa da mãe, onde ficou até morrer. Em juízo, I. disse que os enfermeiros confundiram a situação. Ela estaria ajeitando os travesseiros e mexido no balão de oxigênio para aumentar o fluxo. Um exame feito a pedido da defesa indicou "transtorno depressivo" da mãe.

LEONENCIO NOSSA

sábado, 21 de abril de 2012



PENAL
Furto. Bagatela: o insignificante valor da coisa inibe a presença do Direito Penal, ultima ratio da ingerência punitiva estatal. Absolvição mantida. Negaram provimento ao apelo ministerial (unânime) (TJRS - 5ª Câmara Criminal, Apelação Crime nº 70040997314-Canoas-RS, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, j. 16/3/2011, v.u.).
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os desembargadores integrantes da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo ministerial.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes srs. desembargadores Luís Gonzaga da Silva Moura (presidente) e Genacéia da Silva Alberton.
Porto Alegre, 16 de março de 2011
Amilton Bueno de Carvalho
Relator
Relatório
Desembargador Amilton Bueno de Carvalho (relator)
Na comarca de Canoas, o Ministério Público denunciou A. S. F. S. como incurso nas sanções do art. 155, § 4º, inciso I, c.c. o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.
Narra a denúncia que:
“No dia 14/12/2006, por volta das 19 h, na BR ..., ... nº ..., ... , em Nova Santa Rita, o denunciado tentou subtrair, para si, cerca de 50 kg de fio de cabo de extensão trifásica e cerca de 20 kg de fio de cabo de solda, avaliados em R$ 270,00 (auto de avaliação a fls. 20), pertencentes a A. S. F., não tendo, no entanto, consumado o crime por circunstâncias alheias a sua vontade, uma vez que a vítima, ao perceber a subtração, suspeitou do denunciado e solicitou que a Brigada Militar o abordasse, vindo esta a efetuar a prisão em flagrante.
Para perpetrar o delito, o denunciado rompeu obstáculo à subtração, quebrando o cadeado da porta que dava acesso ao estabelecimento, conforme faz certo o auto de constatação de furto qualificado a fls. 18.
res furtiva foi apreendida e restituída conforme autos de apreensão e restituição a fls. 06 e 07”.
Instruído o feito – recebimento da denúncia (6/8/2007, fls. 35), citação, decretação da revelia do réu (fls. 38), defesa prévia (fls. 41), coleta de prova oral (fls. 80/83) e memoriais –, sobreveio sentença (fls. 95/101) absolvendo o réu da imputação articulada na denúncia com fulcro no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal.
Inconformado com a decisão do juízo a quo, o Ministério Público apelou, requerendo a condenação do acusado nos termos da denúncia. Sustenta que a prova existente nos autos é robusta e segura para a condenação do réu e que não se as circunstâncias do delito não autorizam a aplicação do princípio da insignificância.
Contra-arrazoado o recurso, vieram os autos a esta Corte.
Nesta instância, a Procuradoria de Justiça, pelo dr. Edgar Luiz de Magalhães Tweedie, opina pelo provimento do apelo.
É o relatório.
Voto
Desembargador Amilton Bueno de Carvalho (relator)
Não vinga o recurso ministerial. E as razões são as mesmas declinadas na sentença guerreada, lavra do colega Paulo Augusto Oliveira Irion, aqui adotada como fundamento decisório:
“(...)
Entretanto, não vislumbro estar suficientemente provado a autoria do fato ter sido praticada pelo réu. Neste ponto, assiste razão à defesa e merece ser rechaçada a tese da acusação.
É que, quanto à autoria, não há sequer uma prova produzida em juízo, no sentido de que o réu tenha praticado o fato, senão vejamos.
A vítima asseverou categoricamente que não viu o réu praticando o fato. Ainda, a única testemunha arrolada pela acusação, ouvida inclusive apenas como informante, por ser pai do réu, não registrou de forma segura que o réu tenha praticado o fato. O réu não foi interrogado, mas isso não permite presumir que tenha praticado o fato. Por fim, eventual prova produzida na fase inquisitorial e não renovada na fase judicial da mesma forma não pode embasar um juízo positivo a respeito da autoria, forte no art. 155 do CPP. Assim, a autoria não resta suficientemente provada no presente feito.
De outra banda, mesmo se confirmada fosse a autoria, verifico, embora já prejudicada a questão diante do acolhimento da insuficiência probatória da autoria, que também assiste razão à defesa, no que toca à atipicidade material do fato, diante de sua insignificância. É que o bem subtraído totaliza a importância de apenas R$ 270,00, conforme auto de avaliação (fls. 27) e, além disso, o acusado não é reincidente, conforme certidão de antecedentes (fls. 33)”.
Enfim, a anemia probatória é de todo séria: nada há na direção acusatória a vincular a ocorrência do delito ao denunciado.
Apenas acresço que, na visão deste colegiado, efetivamente se faz presente a hipótese bagatelar: o insignificante valor da coisa inibe a presença do Direito Penal, ultima ratio da ingerência punitiva estatal. Ora, cuida-se de crime de furto tentado no valor total de R$ 270,00 – restituídos à vítima.
Não há justificativa para a movimentação de uma máquina cara, cansativa, abarrotada e cruel como o Judiciário. A banalização do litígio – leia-se atuação sem maior interesse social – o torna moroso e desacreditado, pois situações que realmente interessam ficam em segundo plano ou concorrem com as inúteis, o que inviabiliza a realização do papel transformador atribuído ao Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito.
Por outro lado, à aplicação do princípio da insignificância só interessam o desvalor do resultado e o desvalor da conduta (ver: GOMES, Luiz Flávio. Critérios determinantes do princípio da insignificância. In: <www.ultimainstancia.com.br>).
Portanto, ausente lesividade, resta afastada a tipicidade objetiva da conduta.
Finalmente, não fosse este o resultado, a situação fática desafia o reconhecimento da privilegiadora – réu primário (fls. 33/34) e coisa de pequeno valor –, com aplicação unicamente da pena de multa. E, em tal hipótese, estaria extinta a punibilidade pela prescrição, pois decorridos mais de dois anos entre o recebimento da denúncia (6/8/2007, fls. 35) e hoje.
Com essas considerações, nega-se provimento ao apelo ministerial.
Desembargadora Genacéia da Silva Alberton (revisora): de acordo com o relator.
Desembargador Luís Gonzaga da Silva Moura (presidente): de acordo com o relator.
Desembargador Luís Gonzaga da Silva Moura (presidente): Apelação Crime nº 70040997314, comarca de Canoas: “À unanimidade, negaram provimento ao apelo ministerial”.
Julgador de 1º Grau: Paulo Augusto Oliveira Irion.