quinta-feira, 28 de março de 2013

Intimação por meio de estagiário sem presença de advogado é inválida


A 8ª turma do TST não considerou válida ciência de decisão assinada por estagiário sem a companhia de advogado habilitado no processo. A turma reformou julgamento anterior do TRT da 2ª região que havia aceitado a notificação e considerado intempestivo (fora do prazo legal) recurso ordinário do autor do processo contra decisão de 1º grau.
A ministra Dora Maria da Costa, relatora do recurso, citou o parágrafo 2º do artigo 3º do Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94), que dispõe que "os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados". Ela fez referência ainda ao parágrafo 1º do artigo 29 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, que trata dos atos que podem ser praticados isoladamente por estagiário e onde não há a permissão para a notificação de decisão. "Com amparo no dispositivo acima, conclui-se pela impossibilidade de, isoladamente, estagiário dar ciência de decisão sem acompanhamento de advogado", destacou.
Com base nesse entendimento, a 8ª turma do TST decidiu, por unanimidade, acolher o recurso de revista do autor da ação para considerar como tempestivo (dentro do prazo legal) o recurso ordinário rejeitado pelo TRT. Determinou também o retorno do processo para um novo julgamento no TRT.
Veja a íntegra da decisão.
_____________
ACÓRDÃO
(8ª Turma)
GMDMC/Acb/Vb/nc/sr
RECURSO DE REVISTA. INTIMAÇÃO POR MEIO DE ESTAGIÁRIO DESACOMPANHADO DE ADVOGADO. INVALIDADE PARA FINS DE INÍCIO DE CONTAGEM DE PRAZOS. Com amparo no disposto nos artigos 3º, § 2º, da Lei 8.906/93 e 29, § 1º, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, conclui-se pela impossibilidade de, isoladamente, estagiário dar ciência de decisão sem estar acompanhado de advogado. Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-281300-24.2007.5.02.0341, em que é Recorrente GEVALDO CARLOS DE ANDRADE e Recorrido JÚLIO SIMÕES TRANSPORTES E SERVIÇOS LTDA.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, mediante o acórdão de fls. 402/403, não conheceu do recurso ordinário interposto pelo reclamante.
Opostos embargos de declaração às fls. 406/412 e 433/437, foram rejeitados pelo Tribunal a quo às fls. 429/430 e 455/456, respectivamente.
Irresignado, o reclamante interpõe recurso de revista, com fulcro nas alíneas "a" e "c" do art. 896 da CLT, às fls. 463/473, postulando a revisão do julgado.
Por meio da decisão de fls. 495/498, a Vice-Presidente do Regional admitiu o recurso de revista, por possível divergência jurisprudencial.
Não foram apresentadas contrarrazões, consoante a certidão de fl. 498.
Dispensada a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do art. 83 do RITST.
É o relatório.
VOTO
I. CONHECIMENTO
O recurso de revista é tempestivo (fls. 457 e 463) e tem representação regular (fl. 15). Assim, preenchidos os pressupostos comuns de admissibilidade, examinam-se os específicos do recurso de revista.
INTIMAÇÃO POR MEIO DE ESTAGIÁRIO DESACOMPANHADO DE ADVOGADO. INVALIDADE PARA FINS DE INÍCIO DE CONTAGEM DE PRAZOS.
O Tribunal Regional não conheceu do recurso ordinário interposto pelo reclamante sob os seguintes fundamentos:
"I - DOS PRESSUPOSTOS
Não conheço do recurso ordinário do reclamante, por intempestivo.
Conforme se observa à fl. 203 dos autos, o patrono do autor, fl. 12, retirou os autos em carga para extração de cópias na data de 31 de julho de 2008, quinta-feira, ocasião em que tomou ciência da r. decisão proferida frente aos embargos de declaração opostos às fls. 198/200. Com efeito, ciente da r. sentença de fl. 201, o prazo recursal para interposição de apelo ordinário iniciou-se em 01º de agosto de 2008, sexta-feira, terminando no dia 08 subsequente, também sexta-feira.
Tendo em vista que o recurso foi protocolizado em 12 de agosto do mesmo ano, fl. 204, após o octídio legal previsto no artigo 895 da CLT, deixo de conhecê-lo, por extemporâneo.
Isto posto, ACORDAM os Magistrados da 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em não conhecer do recurso ordinário interposto pelo reclamante, por intempestivo." (fls. 402/403 )
Instado por meio de embargos de declaração, o Tribunal a quo concluiu, in verbis:
"II - DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Em conformidade com o disposto nos incisos I e II, do artigo 535 do CPC e artigo 897-A da CLT, o cabimento dos embargos de declaração está restrito às hipóteses de contradição, omissão e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso.
No entanto, não há no v. acórdão embargado quaisquer dos vícios acima apontados.
Na verdade, pretende o embargante, efetivamente, o reexame da matéria.
Com efeito, o v. acórdão não conheceu do recurso ordinário interposto pelo autor, por ultrapassado o octídio legal previsto no artigo 895 da CLT.
Referida decisão possui embasamento nos artigos 184, §2º, 234 e 238, todos do CPC, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho, conforme inteligência do artigo 769 da CLT.
Por outro lado, observo que os elementos trazidos nos presentes embargos não visam à correção de supostos vícios, mas, sim, à reanálise de prova e reforma do v. julgado, sendo este remédio processual manifestamente inadequado para tal finalidade." (fls. 429/430)
"II - DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Em conformidade com o disposto nos incisos I e II, do artigo 535 do CPC e artigo 897-A da CLT, o cabimento dos embargos de declaração está restrito às hipóteses de contradição, omissão e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso.
No entanto, não há no v. julgado quaisquer dos vícios acima apontados.
A matéria debatida no presente instrumento já foi analisada pelo v. julgado de fls. 231, complementado pelo de fl. 253, o qual destacou que o início do prazo recursal ocorre quando da ciência da r. sentença, no caso, quando da extração de cópia, ainda que solicitada pelo estagiário, inteligência do §2º, do artigo 3º da Lei nº 8.906/94 e artigo 774 da CLT.
Com efeito, o embargante caminha por zona extremamente cinzenta. Entretanto, deixo de aplicar-lhe a multa pertinente, somente desta vez, atentando-se que a reiteração será objeto das penalidades previstas em virtude da oposição de embargos de declaração manifestamente protelatórios." (fls. 455/456)
O reclamante, às fls. 464/473, sustenta que é ineficaz a ciência de decisão tomada por estagiário que retirou os autos em carga rápida para extração de cópia, devendo a contagem do prazo recursal ser iniciada a partir da intimação dos advogados constituídos via diário oficial. Aponta violação dos arts. 5º, LV, da Constituição Federal; 3º, § 2º, da Lei nº 8.906/94; 4º, § 3º, da Lei nº 11.419/2006 e 242 do CPC, além de divergência jurisprudencial.
Com efeito, o aresto transcrito à fl. 470, oriundo do TRT da 15ª Região, é formalmente válido e externa tese contrária à consagrada pelo Regional, ao concluir que "Ante a disposição do artigo 242 do Código de Processo Civil, combinado com a previsão do artigo 3º, § 2º, do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), considera-se ineficaz a ciência de decisão tomada por estagiário de direito que retirou os autos em carga rápida, iniciando-se o prazo recursal somente a partir da intimação oficial dos advogados constituídos via DEJT".
Conheço por divergência jurisprudencial.
II. MÉRITO
INTIMAÇÃO POR MEIO DE ESTAGIÁRIO DESACOMPANHADO DE ADVOGADO. INVALIDADE PARA FINS DE INÍCIO DE CONTAGEM DE PRAZOS.
A controvérsia cinge-se em saber se o estagiário de direito, desacompanhado de advogado, pode dar ciência de decisão.
Segundo o disposto no § 2º do art. 3º da Lei 8.906/93, "O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º, na forma do regimento geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste" (grifos apostos).
Por sua vez, o § 1º do art. 29 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB esclarece quais os atos que podem ser praticados isoladamente por estagiário, in verbis:
"O estagiário inscrito na OAB pode praticar isoladamente os seguintes atos, sob a responsabilidade do advogado:
I - retirar e devolver autos em cartório, assinando a respectiva carga;
II - obter junto aos escrivães e chefes de secretarias certidões de peças ou autos de processos em curso ou findos;
III - assinar petições de juntada de documentos a processos judiciais ou administrativos."
Com amparo no disposto acima, conclui-se pela impossibilidade de isoladamente estagiário dar ciência de decisão sem acompanhamento de advogado.
Logo, não há de ser considerada como termo inicial do prazo para a interposição de recurso a retirada dos autos, antes da publicação da decisão, por estagiário de advocacia, sem a companhia do advogado, patrono da parte.
Nesse sentido, os precedentes:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO HIPÓTESE DE PROVIMENTO. Verifica-se possível violação ao art. 3º, § 2º, da Lei 8.906/1994, aspecto suficiente a ensejar o provimento do Agravo de Instrumento para o amplo julgamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento de que se conhece e a que se dá provimento. 2. RECURSO DE REVISTA INTIMAÇÃO POR MEIO DE ESTAGIÁRIO DESACOMPANHADO DE ADVOGADO. INVALIDADE. O estagiário de advocacia somente pode praticar ato privativo de advocacia -em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste- (art. 3º, § 2º, da Lei 8.906/1994). Logo, a simples carga dos autos, um dia antes da publicação da decisão, realizada por estagiário de advocacia, desacompanhado de advogado, conquanto habilitado nos autos, não há de ser considerada como termo inicial do prazo para a interposição do Recurso Ordinário. Recurso de Revista de que se conhece em parte e a que se dá provimento." (RR - 94241-39.2003.5.10.0007 , Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 22/06/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: 05/08/2011)
"CIÊNCIA DE DESPACHO POR ESTAGIÁRIO DESACOMPANHADO DE ADVOGADO - INVALIDADE PARA FINS DE INÍCIO DE CONTAGEM DE PRAZOS - A ciência de decisão por parte de estagiário desacompanhado de advogado não enseja o início da contagem de prazos, pois o ato foi praticado em desacordo com o § 2º do art. 3º da Lei nº 8.906/93 (Estatuto da OAB), segundo o qual apenas certos atos - dentre os quais não foi relacionada a ciência de decisões judiciais - podem ser praticadas isoladamente por estagiário. Recurso de revista conhecido e provido." (RR - 2957500-12.2002.5.10.0900 , Relator Ministro: Rider de Brito, Data de Julgamento: 19/02/2003, 5ª Turma, Data de Publicação: 28/03/2003)
"NULIDADE DA INTIMAÇÃO - PUBLICAÇÃO DA DECISÃO EM NOME DE ESTAGIÁRIO. Nos termos do art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.906/94, as atividades privativas de advogado podem ser praticadas pelo estagiário em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste, não podendo, portanto, ser considerada válida intimação da publicação feita exclusivamente em nome de estagiário. Recurso conhecido e provido." (RR - 399440-68.1997.5.01.5555 , Relator Ministro: José Luciano de Castilho Pereira, Data de Julgamento: 19/06/2002, 2ª Turma, Data de Publicação: 23/08/2002)
In casu, considerando que a decisão de embargos de declaração da sentença foi publicada em 1º/8/2008, a interposição do recurso ordinário em 12/8/2008 se deu tempestivamente.
Assim, em face do conhecimento do recurso de revista, por violação de divergência jurisprudencial, dou-lhe provimento para, reconhecendo a tempestividade do recurso ordinário do reclamante, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no seu exame, como entender de direito.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para, reconhecendo a tempestividade do recurso ordinário do reclamante, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no seu exame, como entender de direito.
Brasília, 13 de março de 2013.
Dora Maria da Costa
Ministra Relatora
Dispon;ível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI174694,41046-Intimacao+por+meio+de+estagiario+desacompanhado+de+advogado+e+invalida 
Assumindo os próprios erros: a importância da confissão espontânea no processo penal

Reconhecer a autoria do crime é atitude de especial relevância para o Judiciário. O réu pode contar com a atenuante da pena e colaborar com as investigações em curso. Pode contribuir ainda com um julgamento mais célere e com a verdade dos fatos. Mas em que circunstâncias a admissão do crime implica realmente benefício para o culpado e qual a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto?

O artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal dispõe que a confissão espontânea de autoria do crime é circunstância que atenua a pena. Assim, aqueles que, em tese, admitirem a autoria do fato em presença de uma autoridade terá como prêmio uma pena mais branda. O primeiro elemento exigido pela lei, então, é a confissão ser voluntária; a segunda é que seja em presença de autoridade.

A autoridade pode ser tanto o delegado de polícia, o magistrado ou o representante do Ministério Público. É entendimento do STJ que não cabe ao magistrado fazer especulações sobre os motivos que conduziram o réu a admitir a culpa. A jurisprudência dispõe que a confissão, prevista no texto da lei, é de caráter meramente objetivo. Isso significa que o acusado não precisa apresentar motivação específica ou qualquer outro requisito subjetivo para sua caracterização (HC 129.278).

Arrependimento

O STJ entende que pouco importa o arrependimento ou a existência de interesse pessoal do réu ao admitir a culpa. A atenuante tem função objetiva e pragmática de colaborar com a verdade, facilitando a atuação do Poder Judiciário. “A confissão espontânea hoje é de caráter meramente objetivo, não fazendo a lei referência a motivos ou circunstâncias que a determinaram,” assinalou o ministro Paulo Gallotti, ao apreciar um habeas corpus de Mato Grosso do Sul (HC 22.927).

É entendimento também do STJ de que não importa se o réu assumiu parcial ou totalmente o crime ou mesmo se houve retratação posterior. “Se a confissão na fase inquisitorial, posteriormente retratada em juízo, alicerçou o decreto condenatório, é de ser reconhecido o benefício da atenuante do artigo 65, III, alínea d, do CP”, assinalou a ministra Laurita Vaz em um de seus julgados. (HC 186.375).

“A confissão, realizada diante de autoridade policial quanto a um delito de roubo, mesmo que posteriormente retratada em juízo, é suficiente para incidir a atenuante quando expressamente utilizada para a formação do convencimento do julgador”, assinalou o ministro Jorge Mussi em um julgado. Segundo ele, pouco importa se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial (HC 217.687).

Os magistrados entendem que a lei não faz ressalva em relação à maneira como o agente pronunciou a confissão. A única exigência legal, segundo a Corte, é que essa atenuante seja levada em consideração pelo magistrado quando da fixação da pena (HC 479.50). Mesmo havendo retratação em juízo, segundo o STJ, se o magistrado usar da confissão retratada como base para o reconhecimento da autoria do crime, essa circunstância deve ser levada em consideração no momento da dosimetria da pena (HC 107.310).

Confissão qualificada

O STJ tem se posicionado no sentido de que não cabe a atenuante em casos de confissão qualificada – aquela em que o acusado admite a autoria, mas alega ter sido acobertado por causa excludente da ilicitude. É o caso de um réu confessar o crime, mas alegar que agiu em legítima defesa.

Isso porque, segundo uma decisão da Sexta Turma, nesses casos, o acusado não estaria propriamente colaborando para a elucidação do crime, mas agindo no exercício de autodefesa (REsp 999.783).

Na análise de um habeas corpus oriundo do Rio Grande do Sul, a Quinta Turma reiterou o entendimento de que a confissão qualificada não acarreta o reconhecimento da atenuante. No caso, um réu atirou em policiais quando da ordem de prisão, mas não admitiu o dolo, alegando legítima defesa (HC 129.278).

“A confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou exculpantes, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal”, sustentou a ministra Laurita Vaz, na ocasião do julgamento. A versão dos fatos apresentada pelo réu não foi utilizada para embasar sua condenação.

Personalidade do réu

A atenuante da confissão, segundo decisões de alguns ministros, tem estreita relação com a personalidade do agente. Aquele que assume o erro praticado, de forma espontânea – ou a autoria de crime que era ignorado ou atribuído a outro – denota possuir sentimentos morais que o diferenciam dos demais.

É no que acredita a desembargadora Jane Silva, que atuou em Turma criminal no STJ, defendendo a seguinte posição: “Penso que aquele que confessa o crime tem um atributo especial na sua personalidade”, defendeu ela, “pois ou quer evitar que um inocente seja castigado de forma não merecida ou se arrependeu sinceramente”. E, mesmo não se arrependendo, segundo a desembargadora, o réu merece atenuação da pena, pois reconhece a ação da Justiça – “à qual se sujeita”, colaborando com ela.

A desembargadora definiu a personalidade como conjunto de atributos que cada indivíduo tem e desenvolve ao longo da vida até atingir a maturidade; diferentemente do caráter, que, segundo ela, é mutável. Dessa forma, o réu que confessa espontaneamente o crime "revela uma personalidade tendente à ressocialização, pois demonstra que é capaz de assumir a prática de seus atos, ainda que tal confissão, às vezes, resulte em seu prejuízo, bem como se mostra capaz de assumir as consequências que o ato criminoso gerou, facilitando a execução da pena que lhe é imposta” (REsp 1.012.187).

Reincidência

No Brasil, conforme previsão do artigo 68 do Código Penal, o juiz, no momento de estabelecer a pena de prisão, adota o chamado sistema trifásico, em que primeiro define a pena-base (com fundamento nos dados elementares do artigo 59: culpabilidade, antecedentes, motivação, consequências etc.), depois faz incidir as circunstâncias agravantes e atenuantes (artigos 61 a 66) e, por último, leva em conta as causas de aumento ou de diminuição da pena.

A Terceira Seção decidiu em maio do ano passado, por maioria de votos, que, na dosimetria da pena, devem ser compensadas a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência, por serem igualmente preponderantes. A questão consistia em definir se a agravante da reincidência teria maior relevo ou se equivalia à atenuante da confissão. A solução foi dada com o voto de desempate da ministra Maria Thereza de Assis Moura (EREsp 1.154.752)

Segundo explicação do desembargador convocado Adilson Macabu, proferida no curso do julgamento, o artigo 65 do Código Penal prevê as circunstâncias favoráveis que sempre atenuam a pena, sem qualquer ressalva, e, em seguida, o artigo 67 determina uma agravante que prepondera sobre as atenuantes. Os ministros consideraram na ocasião do julgamento da Terceira Seção que, se a reincidência sempre preponderasse sobre a confissão, seria mais vantajoso ao acusado não confessar o crime e, portanto, não auxiliar a Justiça.

O entendimento consolidado na ocasião é que a confissão revela traço da personalidade do agente, indicando o seu arrependimento e o desejo de emenda. Assim, nos termos do artigo 67 do CP, o peso entre a confissão – que diz respeito à personalidade do agente – e a reincidência – expressamente prevista no referido artigo como circunstância preponderante – deve ser o mesmo. Daí a possibilidade de compensação.

Autoincriminação

No julgamento de um habeas corpus em que aplicou a tese firmada pela Terceira Seção, o desembargador Adilson Macabu considerou que a confissão acarreta “economia e celeridade processuais pela dispensa da prática dos atos que possam ser considerados desnecessários ao deslinde da questão”. Também acrescentou que ela acarreta segurança material e jurídica ao conteúdo do julgado, pois a condenação reflete, de maneira inequívoca, a verdade real, buscada inexoravelmente pelo processo (HC 194.189).

O magistrado destacou que a escolha do réu ao confessar a conduta “demonstra sua abdicação da proteção constitucional para praticar ato contrário ao seu interesse processual e criminal”, já que a Constituição garante ao acusado o direito ao silêncio e o direito de não se autoincriminar. “Por isso deve ser devidamente valorada e premiada como demonstração de personalidade voltada à assunção de suas responsabilidades penais”, concluiu Macabu.

Condenação anterior

No julgamento de um habeas corpus, contudo, a Quinta Turma do STJ adotou o entendimento de que, constatado que o réu possui condenação anterior por idêntico delito, geradora de reincidência, e que há uma segunda agravante reconhecida em seu desfavor (no caso, crime cometido contra maior de 60 anos), não há constrangimento ilegal na negativa de compensação das circunstâncias legais agravadoras com a atenuante da confissão espontânea (HC 183.791).

Sobre o tema, o STJ tem entendimento de que a atenuante da confissão espontânea não reduz pena definida no mínimo legal, nem mesmo que seja de forma provisória. A matéria se enquadra na Súmula 231, do STJ.

Flagrante

Em relação à atenuante quando da ocorrência da prisão em flagrante ou quando há provas suficientes nos autos que possam antecipadamente comprovar a autoria, as Turmas criminais do STJ entendem que “a prisão em flagrante, por si só, não constitui fundamento suficiente para afastar a incidência da confissão espontânea”. Com isso, foi reformada a decisão proferida pela instância inferior (HC 68.010).

Em um caso analisado pelo STJ, um réu foi flagrado transportando 6,04 quilos de cocaína e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), na análise de fixação da pena, não considerou a atenuante da confissão espontânea, ao argumento de que o réu foi preso em flagrante (REsp 816.375).

Em outra decisão, sobre o mesmo tema, a Quinta Turma reiterou a posição de que “a confissão espontânea configura-se tão somente pelo reconhecimento do acusado em juízo da autoria do delito, pouco importando se o conjunto probatório é suficiente para demonstrá-la ou que o réu tenha se arrependido da infração que praticou” (HC 31.175).

HC 129278 - HC 22927 - HC 186375 - HC 217687 - HC 107310 - REsp 999783
HC 129278 - REsp 1012187E - REsp 1154752 - HC 194189 - HC 183791
HC 68010 - HC 31175

quarta-feira, 20 de março de 2013

MP diz que multa da lei seca é inconstitucional

Um parecer do Ministério Público Federal considera inconstitucional punir o motorista que se recusa a fazer o teste do bafômetro com multa de R$ 1.915,40, suspensão do direito de dirigir por 12 meses e retenção do veículo. Isso apesar de o MP defender a constitucionalidade da tolerância zero e o uso de outros instrumentos para provar que o motorista ingeriu álcool antes de dirigir, como depoimento de testemunhas ou imagens de vídeo.

Em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o MPF argumenta que a Constituição garante ao cidadão o direito de não produzir provas contra si mesmo. Portanto, o motorista não pode ser punido, seja com multa ou outra medida administrativa, por exercer esse direito.

A sanção para o motorista que se recusa a passar pelo bafômetro já estava prevista na lei original. No ano passado, a punição foi agravada pelo Congresso como forma de dar maior eficácia à lei e para levar o motorista a se submeter ao teste. Agora, o MP sugere ao STF que derrube este ponto da lei.

A vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, afirmou no documento que a Constituição e a jurisprudência do STF impedem sanções ao cidadão que se recusa a produzir prova contra si. "No Direito brasileiro, a vedação à autoincriminação é identificada como princípio constitucional processual implícito", disse.

Nas rodovias. No entanto, o Ministério Público considera constitucional a tolerância zero estabelecida pela nova lei seca, admite a produção de provas por outros instrumentos que não sejam o bafômetro ou o exame de sangue e avaliza o veto à venda de bebidas alcoólicas às margens de rodovias federais.

De acordo com o estudo feito pelo MP, a proibição total de ingestão de bebidas alcoólicas por motoristas é constitucional e a medida mais eficaz para diminuir a quantidade de acidentes e mortes no trânsito.

"(A lei) É adequada, porque apta a atingir o propósito de diminuir os riscos e danos à vida, à integridade física e à segurança dos motoristas e pedestres", afirmou a vice-procuradora-geral. "É necessária, uma vez que se revela o meio mais eficaz a reduzir, drasticamente, os índices de acidentes de trânsito fatais", acrescentou. "E é proporcional em sentido estrito, já que o custo que ela gera, de não permitir que se dirija sob influência de álcool, é infinitamente inferior aos benefícios que acarreta à segurança viária."

FELIPE RECONDO - BRASÍLIA

Fonte: AASP

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013



Juízes fazem propostas à reforma penal

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) encaminhará ao Senado uma nota técnica propondo alterações no projeto de reforma do Código Penal. Uma das maiores preocupações é o tratamento dado aos crimes financeiros, considerado demasiadamente brando por juízes especializados na área. Paralelamente, a Ajufe irá propor a criação, no sistema penal brasileiro, de um mecanismo pelo qual o acusado pode fazer um acordo para confessar o crime em troca da redução da pena. Esse acordo, muito usado nos Estados Unidos, é chamado de "plea bargain" (uma espécie de barganha processual).

Reunida ontem em Brasília, a comissão da Ajufe responsável por discutir a reforma dos códigos penal e de processo penal chegou a um consenso quanto a essas propostas. Do grupo participam juízes considerados referência em crimes financeiros, como o desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e o juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, que assessorou a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber durante o julgamento do processo do mensalão.

De Sanctis critica a parte de crimes financeiros da reforma do Código Penal, que tramita no Senado. "Alguns seriam reduzidos a pó", diz o desembargador, citando que certos delitos desaparecem por completo do texto, enquanto outros têm previstas penas "baixíssimas". Ele menciona, por exemplo, que o funcionamento de instituição financeira não autorizada, assim como a contabilidade paralela de instituição financeira, deixam de ser listados como crimes. O conceito de evasão de divisas abrangeria apenas a saída física do dinheiro. Um doleiro que fizer uma remessa a cabo, aponta De Sanctis, ficaria livre de punição.

A Ajufe também questiona o artigo do projeto de reforma que criminaliza o ato de violar prerrogativas dos advogados. A proposta é defendida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas vem gerando reações duras da magistratura. "Não somos hierarquicamente subordinados a quem quer que seja. Muitas vezes, o advogado é calado e humilhado por magistrados e membros do Ministério Público", diz o presidente da OAB, Ophir Cavalcante.

Juízes reclamam de exagero da advocacia e dizem que a proposta da OAB viola a independência do juiz. "A previsão gera temor e insegurança. Se o juiz indefere o pedido de um advogado, não é o caso de se imputar um crime, mas de fazer um recurso", diz o juiz federal Rafael Wolff, coordenador da comissão da Ajufe que discute a reforma da legislação penal. A associação também irá propor mudanças na contagem do prazo de prescrição de crimes, com o objetivo de reduzir a impunidade. A nota técnica deve ficar pronta em dois meses.

Já o anteprojeto que cria o sistema do "plea bargain" será encaminhado paralelamente. Enquanto na delação premiada um dos acusados contribui com informações sobre terceiros envolvidos no crime, esse tipo de acordo envolve apenas o próprio réu e tem que ser negociado com o juiz e o Ministério Público. O juiz federal Sergio Moro, entusiasta da proposta, menciona que 85% dos casos criminais na Justiça Federal americana terminam em acordo. "O sistema possibilitaria resolver casos singelos de forma mais rápida, permitindo um foco maior do Judiciário nos caso mais complexos." A reforma do Código Penal também prevê o mecanismo, mas um projeto específico poderia ser aprovado mais rapidamente.

Maíra Magro - De Brasília

Disponível em: http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=13741
 Proposta torna crimes hediondos imprescritíveis

A Câmara analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 229/12, da deputada Keiko Ota (PSB-SP), que torna os crimes hediondos imprescritíveis. A PEC também especifica que esses crimes são inafiançáveis, o que já está previsto na Lei 8.072/90.

Atualmente, a Constituição somente considera imprescritíveis o crime de racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático.

Keiko Ota afirma que as maiores reclamações da sociedade sobre a legislação penal se referem à falta de rigidez das normas e à impressão de que o criminoso não responde da forma como deveria. “Essa PEC visa justamente diminuir essa sensação de impunidade. É imperativo o enrijecimento da legislação para agravar a punição desses atos criminosos, para que possamos ver reparados, mesmo que minimamente, o direito das vítimas e de seus familiares”, diz a deputada.

A Lei 8.072/90 define como hediondos os crimes de homicídio praticado por grupo de extermínio, latrocínio, genocídio, extorsão qualificada por morte, extorsão mediante sequestro, estupro, disseminação de epidemia que provoque morte, falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Esse tipo de crime deve ser cumprido inicialmente em regime fechado e é insuscetível de anistia, graça, indulto e fiança.

Tramitação
A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania quanto à admissibilidade. Depois, será analisada por uma comissão especial e, em seguida, encaminhada para votação em dois turnos no Plenário da Câmara.

Disponível em: http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=13708
Homem consegue reduzir pena ao demonstrar retroatividade da lei mais gravosa


A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) diminuiu em cinco anos e quatro meses a pena de um homem condenado por crime de extorsão mediante sequestro. A Turma entendeu que a qualificadora acrescida ao Código Penal pelo Estatuto do Idoso não deve ser considerada no caso, pois ocorreria retroatividade de lei penal mais gravosa.

Um homem foi condenado por crime de extorsão mediante sequestro e está preso desde maio de 2011. O delito ocorreu em julho de 2001, quando o autor, e dois denunciados, interceptaram o veículo do um tesoureiro de agência da Caixa Federal Econômica (CEF), assumiram o controle do veículo e foram à casa do funcionário.

Na residência da vítima, os denunciados ministraram a droga Dormonid no funcionário da CEF, em sua mãe – maior de 60 anos –, e em outro homem, também residente no local. Eles também amarraram e amordaçaram as vítimas após dormirem em razão do efeito da droga. No dia seguinte, o autor obrigou o funcionário a retirar da agência na qual ele trabalha a quantia de R$ 140 mil, enquanto mantinham os reféns dopados e amarrados em sua residência.

O funcionário foi à agência, retirou o dinheiro e, no caminho de volta para casa, foi abordado por um homem, que proferiu a senha informada pelos autores do crime, para o qual entregou o dinheiro.

Qualificadora

O Juízo de 1º grau julgou parcialmente procedente a acusação, para condenar o autor pela prática do delito de extorsão mediante sequestro, por ter o crime durado mais de 24 horas. Porém o absolveu do crime de quadrilha. O magistrado entendeu que o autor agiu com frieza e crueldade, inclusive contra uma senhora idosa, portanto fixou a pena definitiva em 16 anos de reclusão.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em sede de apelação, concluiu que o cárcere não excedeu 24 horas, o que não ensejaria a figura qualificada. Contudo, por ter sido crime cometido contra pessoa maior de 60 anos, manteve a qualificadora prevista no artigo 159 do Código Penal, mantendo a pena dosada pelo juiz de 1º grau.

A defesa alegou que a qualificadora do artigo 159 do CP, acrescida por comando do Estatuto do Idoso, só entrou em vigor dois anos depois da data do crime, tendo-se a retroação da lei posterior mais gravosa. A defesa pediu a concessão do habeas corpus para afastar a qualificadora, e fixar a pena em dez anos e oito meses de reclusão.

HC substitutivo de recurso

A relatora, ministra Assusete Magalhães, lembrou que o pedido de habeas corpus foi impetrado em substituição a recurso especial. A ministra ressaltou que, segundo a Constituição Federal, o habeas corpus será concedido “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”, prevendo o cabimento de recurso ordinário, para o STJ, em caso de denegação de habeas corpus, pelos tribunais regionais.

A ministra ressaltou que entre as hipóteses de cabimento, o habeas corpus não pode ser usado para substituir os recursos ordinários, tampouco os recursos extraordinário e especial. Portanto, para a relatora, o habeas corpus não deve ser conhecido.

Contudo, nesse caso, a ministra analisou a existência de ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, que possibilitaria a concessão da ordem de ofício. Foi o que aconteceu.

Constrangimento ilegal

A ministra Assusete entendeu que houve constrangimento ilegal, passível da concessão de ofício do habeas corpus, tendo em vista a retroatividade da lei penal mais gravosa. A relatora destacou que o Estatuto do Idoso, que entrou em vigor em 2003, incluiu mais uma hipótese qualificadora do delito, quando o crime for cometido contra pessoa idosa, que sofreria maior abalo psicológico, o que justificaria a penalização mais severa.

Porém, a ministra destacou que a qualificadora é inaplicável aos fatos, que ocorreram em 2001 e, portanto, anteriores à vigência do Estatuto do Idoso. A relatora afastou a qualificadora do artigo 159 do CP e redimensionando a pena, a fixou em dez anos e oito meses de reclusão, em regime inicial fechado, de forma definitiva, mantendo, no mais, a sentença condenatória.

HC 246613

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012


 Projeto prevê pena de detenção para revista íntima

O projeto de lei nº 583/2007 de autoria da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) proíbe a revista íntima de mulheres nos locais de trabalho, incluídas as empresas privadas, os órgãos públicos da administração direta e indireta, as sociedades de economia mista, as autarquias e as fundações em atividades no Brasil.

No artigo 2º é estipulada multa de 50 salários mínimos para o infrator, a suspensão, por 30 dias, do funcionário da empresa que procedeu à revista, em caso de reincidência e, ainda, incorrendo em nova reincidência, o empregador ficará sujeito à detenção de seis meses a um ano.

De acordo com a deputada, apesar do avanço alcançado pelas mulheres brasileiras no reconhecimento dos seus direitos, permitindo que grande parte das reivindicações esteja representada na atual Constituição Federal, a igualdade garantida na Lei ainda é desrespeitada muitas vezes no cotidiano delas, como o grande número de trabalhadoras que são constrangidas a se submeterem diariamente à prática da revista íntima, em total desrespeito ao artigo 5º, inciso X que estabelece serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

O objetivo do projeto, segundo Alice Portugal "é garantir e assegurar à mulher o direito ao trabalho sem ter, sucessivamente, sua intimidade violada". Entre os vários parlamentares que apoiaram sua iniciativa, está a deputada Teresa Surita (PMDB-RR), para quem "os efeitos dessa prática nas mulheres são devastadores".

A doutrina e a jurisprudência brasileira consideram a revista pessoal - tanto a realizada diretamente no corpo do empregado como a feita em objetos como bolsas e sacolas - uma forma de concretização do poder de controle do empregador. Mas para a procuradora Sandra Lia, o "entendimento até hoje dominante a respeito da revista não surgiu de um correto juízo de ponderação, posto que se protegeu apenas o direito de propriedade em detrimento do direito à intimidade e à vida privada".

A revista em objetos

Além da revista íntima, os trabalhadores estão sujeitos à revista de objetos como bolsas, sacolas, papéis, carros, armários, escrivaninhas e mesas, geralmente toleradas pela jurisprudência, não ensejando, na maioria dos casos, indenização por dano moral.

Todavia, muitos trabalhadores se sentem constrangidos com essa forma de revista, por entenderem violadas sua intimidade e privacidade, especialmente quando ela é rotineira e por essa razão, ingressam com ação na Justiça do Trabalho buscando indenização por danos morais.

Para o ministro corregedor-geral da Justiça do Trabalho, Barros Levenhagen, a revista realizada com moderação e razoabilidade não caracteriza abuso de direito ou ato ilícito, constituindo, na realidade exercício regular do direito do empregador ao seu poder diretivo de fiscalização.

"Mas no momento em que o vistoriador avança e passa a fazer contato corporal com o empregado, a pretexto de estar vistoriando a bolsa, ele já passa a incorrer no ato faltoso da revista íntima", ressalta. Por isso, explica o ministro, se penaliza o empregador, por causa da quebra do princípio da inviolabilidade da privacidade do empregado.

Revista em hipermercado

São inúmeros os julgados do TST nesse sentido. Um exemplo é a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 5ª Região por dano moral coletivo contra a Companhia Brasileira de Distribuição, Grupo Pão de Açúcar, pelo fato desta ter realizado revista visual em bolsas e sacolas dos empregados.

Embora a sentença de Primeiro Grau tenha sido favorável ao MPT com a condenação da empresa ao pagamento de R$ 100 mil por dano moral coletivo e multa de R$ 5 mil por trabalhador prejudicado, a empresa conseguiu revertê-la no TST. Ao julgar ação rescisória do Pão de Açúcar, a Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais (SDI2) do Tribunal acompanhou o voto do ministro Ives Gandra Martins, relator do processo, que deu provimento ao recurso da empresa (em juízo rescisório) e julgou improcedentes os pedidos formulados pelo MPT.

Para o relator condenar a empresa por dano moral, por eventual lesão causada ao empregado "somente faz sentido quando se verifica a repercussão do ato praticado pelo empregador na imagem, honra, intimidade e vida privada do indivíduo". Mas o ministro considerou inexistente o abuso de direito e a ocorrência de excessos ou atos discriminatórios pela empresa, elementos, que a seu ver, ensejariam o dano moral em virtude do sofrimento e da humilhação do empregado.

A revista em bolsas e sacolas dos funcionários, sem ocorrência de contato físico, mas apenas visual de quem a realizou e de forma generalizada, não gera direito à indenização por dano moral, concluiu o ministro Ives Gandra em seu voto.

Empresa de varejo

Em outra ação que chegou ao TST, uma empregada, que exerceu a função de crediarista na rede de varejo Irmãos Muffato & Cia Ltda, postulou indenização por danos morais no valor de 100 salários mínimos, por ter diariamente sua bolsa revistada. Segundo afirmou na inicial da reclamação trabalhista, as revistas de bolsas, carteiras e sacolas aconteciam todos os dias na saída da portaria e eram realizadas pela segurança da empresa.

Para a crediarista, eram discriminatórias, uma vez que os gerentes não eram submetidos a elas, sem contar o fato de serem desnecessárias, pois a empresa tinha meios mais seguros e apropriados de proteger seu patrimônio como as câmeras e alarmes sinalizadores ali instalados.

Mas seu pedido foi rejeitado. Verificou-se para o juiz da Quarta Vara do Trabalho de Londrina (PR) que a revista era feita sem contato físico, além de não ter sido provado excesso de qualquer espécie ou mesmo que a funcionária tenha sofrido qualquer dano de ordem moral durante as revistas. O magistrado destacou ainda, que a mera realização de revista, como o objetivo de prevenir furtos "compreende-se no exercício legítimo e regular dos direitos potestativos do empregador, a fim de garantir a proteção ao patrimônio, não violando qualquer direito do autor".

A autora recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (9ª Região), o qual reformou a sentença e condenou a Muffato a pagar-lhe indenização por danos morais no valor de R$ 25 mil.

A empresa buscou a reforma de decisão junto ao TST alegando a inexistência de revista íntima, mas apenas em bolsas e de forma visual. A Quinta Turma, por unanimidade, acompanhou o relator, ministro Brito Pereira, que deu provimento ao recurso da empresa, para excluir a condenação arbitrada pelo Regional.

É certo que o artigo 5º, inciso X, da Constituição da República, assegura o direito à indenização por dano material ou moral decorrente da violação do direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, lembrou o ministro Brito Pereira. Contudo, para ele, diante dos fatos registrados pelo Regional, como o de a revista ser efetuada em bolsas, sacolas ou mochilas da autora, sem contato físico ou revista íntima, "não teve caráter ilícito e não resultou, por si só, em violação à intimidade e à honra da recorrida, a ponto de configurar dano moral gerador do dever de indenizar".

Valor material X imaterial

De acordo com o corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Barros Levenhagen, o TST não é contrário ao poder de o empregador realizar a revista, "mas se preocupa em que ela ocorra de forma moderada e observando os princípios constitucionais de inviolabilidade da privacidade da pessoa humana consagrados na Constituição".

Para o ministro, o empregador não pode se exceder nos atos de coordenação e fiscalização do trabalho, submetendo o empregado a uma revista vexatória, caso contrário incorre em dano moral.