quinta-feira, 13 de dezembro de 2012


 Projeto prevê pena de detenção para revista íntima

O projeto de lei nº 583/2007 de autoria da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) proíbe a revista íntima de mulheres nos locais de trabalho, incluídas as empresas privadas, os órgãos públicos da administração direta e indireta, as sociedades de economia mista, as autarquias e as fundações em atividades no Brasil.

No artigo 2º é estipulada multa de 50 salários mínimos para o infrator, a suspensão, por 30 dias, do funcionário da empresa que procedeu à revista, em caso de reincidência e, ainda, incorrendo em nova reincidência, o empregador ficará sujeito à detenção de seis meses a um ano.

De acordo com a deputada, apesar do avanço alcançado pelas mulheres brasileiras no reconhecimento dos seus direitos, permitindo que grande parte das reivindicações esteja representada na atual Constituição Federal, a igualdade garantida na Lei ainda é desrespeitada muitas vezes no cotidiano delas, como o grande número de trabalhadoras que são constrangidas a se submeterem diariamente à prática da revista íntima, em total desrespeito ao artigo 5º, inciso X que estabelece serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

O objetivo do projeto, segundo Alice Portugal "é garantir e assegurar à mulher o direito ao trabalho sem ter, sucessivamente, sua intimidade violada". Entre os vários parlamentares que apoiaram sua iniciativa, está a deputada Teresa Surita (PMDB-RR), para quem "os efeitos dessa prática nas mulheres são devastadores".

A doutrina e a jurisprudência brasileira consideram a revista pessoal - tanto a realizada diretamente no corpo do empregado como a feita em objetos como bolsas e sacolas - uma forma de concretização do poder de controle do empregador. Mas para a procuradora Sandra Lia, o "entendimento até hoje dominante a respeito da revista não surgiu de um correto juízo de ponderação, posto que se protegeu apenas o direito de propriedade em detrimento do direito à intimidade e à vida privada".

A revista em objetos

Além da revista íntima, os trabalhadores estão sujeitos à revista de objetos como bolsas, sacolas, papéis, carros, armários, escrivaninhas e mesas, geralmente toleradas pela jurisprudência, não ensejando, na maioria dos casos, indenização por dano moral.

Todavia, muitos trabalhadores se sentem constrangidos com essa forma de revista, por entenderem violadas sua intimidade e privacidade, especialmente quando ela é rotineira e por essa razão, ingressam com ação na Justiça do Trabalho buscando indenização por danos morais.

Para o ministro corregedor-geral da Justiça do Trabalho, Barros Levenhagen, a revista realizada com moderação e razoabilidade não caracteriza abuso de direito ou ato ilícito, constituindo, na realidade exercício regular do direito do empregador ao seu poder diretivo de fiscalização.

"Mas no momento em que o vistoriador avança e passa a fazer contato corporal com o empregado, a pretexto de estar vistoriando a bolsa, ele já passa a incorrer no ato faltoso da revista íntima", ressalta. Por isso, explica o ministro, se penaliza o empregador, por causa da quebra do princípio da inviolabilidade da privacidade do empregado.

Revista em hipermercado

São inúmeros os julgados do TST nesse sentido. Um exemplo é a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 5ª Região por dano moral coletivo contra a Companhia Brasileira de Distribuição, Grupo Pão de Açúcar, pelo fato desta ter realizado revista visual em bolsas e sacolas dos empregados.

Embora a sentença de Primeiro Grau tenha sido favorável ao MPT com a condenação da empresa ao pagamento de R$ 100 mil por dano moral coletivo e multa de R$ 5 mil por trabalhador prejudicado, a empresa conseguiu revertê-la no TST. Ao julgar ação rescisória do Pão de Açúcar, a Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais (SDI2) do Tribunal acompanhou o voto do ministro Ives Gandra Martins, relator do processo, que deu provimento ao recurso da empresa (em juízo rescisório) e julgou improcedentes os pedidos formulados pelo MPT.

Para o relator condenar a empresa por dano moral, por eventual lesão causada ao empregado "somente faz sentido quando se verifica a repercussão do ato praticado pelo empregador na imagem, honra, intimidade e vida privada do indivíduo". Mas o ministro considerou inexistente o abuso de direito e a ocorrência de excessos ou atos discriminatórios pela empresa, elementos, que a seu ver, ensejariam o dano moral em virtude do sofrimento e da humilhação do empregado.

A revista em bolsas e sacolas dos funcionários, sem ocorrência de contato físico, mas apenas visual de quem a realizou e de forma generalizada, não gera direito à indenização por dano moral, concluiu o ministro Ives Gandra em seu voto.

Empresa de varejo

Em outra ação que chegou ao TST, uma empregada, que exerceu a função de crediarista na rede de varejo Irmãos Muffato & Cia Ltda, postulou indenização por danos morais no valor de 100 salários mínimos, por ter diariamente sua bolsa revistada. Segundo afirmou na inicial da reclamação trabalhista, as revistas de bolsas, carteiras e sacolas aconteciam todos os dias na saída da portaria e eram realizadas pela segurança da empresa.

Para a crediarista, eram discriminatórias, uma vez que os gerentes não eram submetidos a elas, sem contar o fato de serem desnecessárias, pois a empresa tinha meios mais seguros e apropriados de proteger seu patrimônio como as câmeras e alarmes sinalizadores ali instalados.

Mas seu pedido foi rejeitado. Verificou-se para o juiz da Quarta Vara do Trabalho de Londrina (PR) que a revista era feita sem contato físico, além de não ter sido provado excesso de qualquer espécie ou mesmo que a funcionária tenha sofrido qualquer dano de ordem moral durante as revistas. O magistrado destacou ainda, que a mera realização de revista, como o objetivo de prevenir furtos "compreende-se no exercício legítimo e regular dos direitos potestativos do empregador, a fim de garantir a proteção ao patrimônio, não violando qualquer direito do autor".

A autora recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (9ª Região), o qual reformou a sentença e condenou a Muffato a pagar-lhe indenização por danos morais no valor de R$ 25 mil.

A empresa buscou a reforma de decisão junto ao TST alegando a inexistência de revista íntima, mas apenas em bolsas e de forma visual. A Quinta Turma, por unanimidade, acompanhou o relator, ministro Brito Pereira, que deu provimento ao recurso da empresa, para excluir a condenação arbitrada pelo Regional.

É certo que o artigo 5º, inciso X, da Constituição da República, assegura o direito à indenização por dano material ou moral decorrente da violação do direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, lembrou o ministro Brito Pereira. Contudo, para ele, diante dos fatos registrados pelo Regional, como o de a revista ser efetuada em bolsas, sacolas ou mochilas da autora, sem contato físico ou revista íntima, "não teve caráter ilícito e não resultou, por si só, em violação à intimidade e à honra da recorrida, a ponto de configurar dano moral gerador do dever de indenizar".

Valor material X imaterial

De acordo com o corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Barros Levenhagen, o TST não é contrário ao poder de o empregador realizar a revista, "mas se preocupa em que ela ocorra de forma moderada e observando os princípios constitucionais de inviolabilidade da privacidade da pessoa humana consagrados na Constituição".

Para o ministro, o empregador não pode se exceder nos atos de coordenação e fiscalização do trabalho, submetendo o empregado a uma revista vexatória, caso contrário incorre em dano moral.

Juiz não pode alterar enquadramento penal ao receber a denúncia

O juiz não pode modificar a definição jurídica dos fatos narrados na denúncia, no momento em que a recebe. Com base nesse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu recurso em habeas corpus para anular decisão que modificou a capitulação jurídica dada aos fatos pelo Ministério Público e reconheceu a extinção da punibilidade em relação a um empresário de Goiás, pela prescrição da pretensão punitiva estatal.

O empresário foi denunciado pela suposta prática de crime contra a ordem tributária. Ele teria deixado de realizar lucro inflacionário diferido relativo ao Imposto de Renda pessoa jurídica, no ano-calendário de 1998, totalizando o débito de R$ 3.850.060,09. Em seguida, encerrou as atividades da empresa sem comunicar o fato à Secretaria da Receita Federal.

Na denúncia apresentada à Justiça, o Ministério Público afirmou que o empresário teria cometido o crime descrito no artigo 2º, inciso I, da Lei 8.137/90: dar declaração falsa ou omitir informações com o objetivo de evitar o pagamento de tributos. A pena prevista é de seis meses a dois anos e o prazo de prescrição, que varia em função da pena máxima, fica em quatro anos. Nessa hipótese, o crime já estaria prescrito no ato da denúncia.

No entanto, ao receber a denúncia, o juízo de primeiro grau não vislumbrou a ocorrência da prescrição, pois considerou que a conduta narrada se amoldava ao delito do artigo 1º, inciso I, da mesma Lei 8.137 – que consiste em, efetivamente, suprimir ou reduzir tributo, mediante declarações falsas ou omissão de informações às autoridades fiscais. A pena vai de dois a cinco anos.

“Portanto, no caso dos autos, a prescrição da pretensão punitiva se dá em 12 anos, nos termos do artigo 109, inciso III, do Código Penal. Considerando que o fato ocorreu em 1998, ainda não está prescrito”, assinalou o juiz.

Novo enquadramento

Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), sustentando que o empresário seria vítima de constrangimento ilegal. Argumentou que a acusação dizia respeito a ilícito já prescrito, não podendo o julgador, no ato de recebimento da denúncia, adotar conclusão diversa da exposta pelo Ministério Público em relação ao enquadramento jurídico dos fatos narrados na peça inicial.

O TRF1 negou o pedido, entendendo que o magistrado, quando aprecia a defesa preliminar, está autorizado a conferir classificação jurídica diversa da contida na denúncia, porque essa avaliação sobre a capitulação dos fatos apontados é imprescindível ao exame da alegação de prescrição, que se baseia na pena em abstrato prevista para cada crime.

No STJ, a defesa reiterou seus argumentos, insistindo em que a fase de recebimento da denúncia não é adequada para a alteração da classificação jurídica dos fatos, principalmente quando tal modificação é feita para piorar a situação do réu.

Condições da ação

Em seu voto, o ministro Jorge Mussi, relator do caso, ressaltou que a ação penal pública é iniciada por denúncia formulada pelo órgão ministerial, e é a partir do exame dessa peça processual que o magistrado analisará a presença das condições da ação, a fim de que acolha, ou não, a inicial acusatória.

“Assim, a verificação da existência de justa causa para a ação penal, vale dizer, da possibilidade jurídica do pedido, do interesse de agir e da legitimidade para agir, é feita a partir do que contido na peça inaugural, que não pode ser corrigida ou modificada pelo magistrado quando do seu recebimento”, afirmou Mussi.

“Ainda que o acusado se defenda dos fatos narrados na denúncia, e não da definição jurídica a eles dada pelo Ministério Público, não se pode admitir que, no ato em que é analisada a própria viabilidade da persecução criminal, o magistrado se manifeste sobre a adequação típica da conduta imputada ao réu, o que, evidentemente, configura indevida antecipação de juízo de valor acerca do mérito da ação penal” acrescentou o ministro.

Inércia da Justiça

Jorge Mussi considerou “prematura e precipitada” a atidude do juízo, pois, antes mesmo da instrução do processo, concluiu que o empresário não teria apenas falseado ou omitido informações para se eximir do pagamento de tributos, mas teria efetivamente reduzido tributos por meio dessas condutas.

Esse comportamento do juízo, segundo Mussi, ao modificar os parâmetros estabelecidos pelo titular da ação penal a fim de não reconhecer a prescrição, viola o princípio da inércia do Judiciário – que só atua quando provocado, “não podendo instaurar ações penais de ofício”.

O relator observou que há, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que em algumas situações o juiz pode corrigir o enquadramento contido na denúncia logo que a recebe, mas apenas quando é para beneficiar o réu ou permitir a correta fixação da competência ou do procedimento a ser adotado na ação.

Segundo o ministro, mesmo havendo erro na tipificação dos fatos descritos pelo Ministério Público, ou dúvida quanto ao exato enquadramento jurídico dado a eles, cumpre ao juiz receber a denúncia tal como proposta, para que, no momento em que for dar a sentença, proceda às correções necessárias.

Considerando a sanção máxima do delito atribuído pelo Ministério Público ao empresário e tendo em conta que os fatos teriam ocorrido em 1999, o ministro concluiu que a prescrição da pretensão punitiva estatal já se teria consumado quando a denúncia foi recebida, em 2008, mais de quatro anos depois.

O recurso em habeas corpus foi provido por decisão unânime da Quinta Turma.

RHC 27628

Disponível em: http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=13301

Juiz não pode continuar ação penal sem analisar defesa prévia

Mesmo tratando da defesa prévia de forma sucinta e sem exaurir todos os seus pontos, o magistrado deve analisá-la, sob pena de nulidade de todos os atos posteriores à sua apresentação. A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de forma unânime, chegou a esse entendimento ao julgar pedido de habeas corpus a favor de acusado de roubo circunstanciado com emprego de violência e concurso de pessoas.

No recurso ao STJ, a defesa alegou que o juiz de primeiro grau não fundamentou o recebimento da denúncia nem fez menção às questões levantadas na defesa preliminar, apenas designando data para instrução e julgamento. Argumentou ser isso uma ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que exige fundamentação nas decisões judiciais. Pediu a anulação dos atos processuais desde o recebimento da denúncia ou novo recebimento da denúncia com a devida fundamentação.

CPP

O relator do habeas corpus, ministro Og Fernandes, observou que, após o oferecimento da denúncia, duas situações podem ocorrer. Uma delas é o magistrado rejeitar a inicial, com base no artigo 397 do Código de Processo Penal (CPP), que determina a absolvição do acusado em algumas circunstâncias – por exemplo, se o fato não for crime ou se houver alguma exclusão de punibilidade. A outra consiste no recebimento da denúncia, com o prosseguimento do feito, podendo o juiz, ainda, absolver sumariamente o réu após receber a resposta à acusação, como previsto no mesmo artigo do CPP.

Segundo o ministro Og Fernandes, não seria possível receber novamente a denúncia. “O artigo 399 do código não prevê um segundo recebimento da denúncia, mas tão somente a constatação, após a leitura das teses defensivas expostas, se existem motivos para a absolvição sumária do réu, ou se o processo deve seguir seu curso normalmente”, esclareceu.

O ministro relator afirmou que o entendimento do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) é no sentido de que o recebimento da denúncia, por não ter conteúdo decisório, não exige fundamentação elaborada. Nos autos, entendeu o relator, o juiz apresentou satisfatoriamente os motivos pelos quais aceitou a denúncia, não havendo nesse ponto nenhuma razão para anular o processo.

Defesa prévia

O relator, porém, aceitou a alegação de nulidade pela ausência de manifestação do magistrado sobre a defesa prévia. Ele apontou que a Lei 11.719/08 deu nova redação a vários artigos do CPP e alterou de forma profunda essa defesa. “A partir da nova sistemática, o que se observa é a previsão de uma defesa robusta, ainda que realizada em sede preliminar, na qual a defesa do acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que lhe interesse, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas”, destacou.

A nova legislação deu grande relevância à defesa prévia, permitindo até mesmo a absolvição sumária do réu após sua apresentação. Pela lógica, sustentou o ministro Og, não haveria sentido na mudança dos dispositivos legais sem esperar do magistrado a apreciação, mesmo que sucinta e superficial, dos argumentos da defesa.

Ele ponderou não ser obrigatório exaurir todas as questões levantadas, mas isso não autoriza que não haja manifestação alguma do juiz. Na visão do ministro, houve nulidade no processo pela total falta de fundamentação, já que o juiz não apreciou “nem minimamente as teses defensivas”.

Seguindo o voto do relator, a Turma anulou o processo desde a decisão que marcou audiência de instrução e julgamento, determinando que o juiz de primeiro grau se manifeste sobre a defesa prévia. Como o acusado foi preso em 1º de maio de 2011, os ministros entenderam que havia excesso de prazo na formação da culpa e concederam habeas corpus de ofício para dar a ele o direito de aguardar o julgamento em liberdade.

HC 232842

Disponível em: http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=13240

sexta-feira, 26 de outubro de 2012


Alguns aspectos sobre a teoria do domínio final do fato

Leonardo Isaac Yarochewsky

Nas últimas semanas, em razão da ação penal 470 que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) e que foi alcunhada de “mensalão”, muito tem se falado sobre o importante e complexo tema do concurso de pessoas, em especial do conceito de autor e da teoria do domínio final do fato.
Apesar de defender uma acusada no referido processo, não se pretende aqui neste pequeno, mas valioso espaço, defender quem quer que seja, mas, tão somente, esclarecer, através dos principais autores sobre o tema, alguns equívocos que vêm sendo divulgados em nome da citada teoria.
Embora Hans Welzel tivesse falado em 1939 em domínio final do fato, foi o jurista alemão Claus Roxin em obra elaborada para obtenção da Cátedra de Direito Penal da Universidade de Munique, intitulada “Autoria e Domínio do Fato no Direito Penal” publicada pela primeira vez na Alemanha em 1963, o responsável pela elaboração do conceito de domínio final do fato.
Roxin, explica Guilherme José Ferreira da Silva (in Tese de Doutorado apresentada na UFMG), oferecendo um conceito aberto, divide o estudo do domínio final do fato em três perspectivas: a realização do tipo pelas próprias mãos do concorrente – domínio da ação; a configuração da autoria sem intervenção direta na execução do fato, mas através do poder da vontade – domínio da vontade e a contribuição com o atuar alheio configurado a figura central do sucesso do evento – domínio funcional do fato.
Para Nilo Batista (in, Concurso de Agentes: Uma investigação sobre os problemas da autoria e da participação. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005), sem dúvida o maior estudioso do tema no Brasil, segundo um critério final-objetivo “autor é aquele que, na concreta realização do fato típico, conscientemente o domina mediante o poder de determinar o seu modo, e inclusive, quando possível, de interrompê-lo”. Ensinando, ainda, que “a noção de domínio do fato (Tatherrschaft) é, pois, constituída por uma objetiva disponibilidade da decisão sobre a consumação ou desistência do delito, que deve ser conhecida pelo agente (isto é, dolosa)”. Como bem assevera o professor em sua magnífica obra, a posição de domínio somente pode ser concebível com a intervenção da consciência e vontade do agente. Não podendo, assim, haver domínio do fato sem dolo, compreendido como conhecer e querer os elementos objetivos que compõe o tipo legal.
A ideia básica da teoria do domínio do fato, de acordo com Juarez Cirino dos Santos, é a de que o autor domina a realização do fato típico, controlando a continuidade ou a paralisação da ação típica, enquanto o partícipe não domina a realização do fato típico, não tem controle sobre a continuidade ou paralisação da ação típica.
Embora tenha prevalecido durante muito tempo na doutrina brasileira o conceito restrito ou restritivo de autor (critério formal-objetivo), segundo o qual autor é aquele que realiza a conduta (ação ou omissão) descrita ou expressa pelo verbo típico: o que mata, o que subtrai, o que deixa de socorrer e etc., hoje a teoria do domínio final do fato (critério final-objetivo) vem ganhando cada dia mais adeptos e se consolidando na doutrina e na jurisprudência.
Certo é que do Código Penal brasileiro em seu art. 29 estabelece que: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
Sendo assim, qualquer que seja o conceito ou o critério de definição de autoria, bem como a sua distinção da participação em sentido estrito, é mister salientar que da culpabilidade como princípio - “nullum crimen nulla poena sine culpa”-, da culpabilidade que tem suas raízes na dignidade da pessoa e na formulação kantiana do homem como fim em si mesmo e, finalmente, da culpabilidade como limitador do poder punitivo estatal não se pode olvidar sob pena de afronta ao Estado que se pretende democrático e direito.
De igual modo, qualquer que seja a teoria adotada a condenação de quem quer que seja somente pode ser alicerçada com base em provas lícitas que passaram pelo crivo do contraditório e do devido processo legal.
__________
* Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados e professor de Direito Penal da PUC-Minas

STJ

Comprovada a necessidade, escutas telefônicas podem ser prorrogadasin

A 5ª turma do STJ negou HC a um delegado de polícia investigado por suposta participação em esquema de contrabando e corrupção no Aeroporto de Viracopos, em Campinas/SP. O paciente pretendia trancar ação penal em que é réu, sustentando que as denúncias encontram suporte probatório apenas em prova ilícita, obtida por meio de escutas telefônicas deferidas sem a devida fundamentação.
Entretanto, a ministra Laurita Vaz, relatora, entendeu que a decisão que autorizou as interceptações telefônicas demonstrou a necessidade de buscar informações sobre o as pessoas investigadas, em face da existência de conversas suspeitas a indicar a prática de condutas ilícitas. "A decisão que autorizou a interceptação telefônica original, aquela que estendeu a medida ao paciente, além das que posteriormente a prorrogaram, foram devidamente fundamentadas, em observância às disposições da lei 9.296⁄96", afirmou.
Os monitoramentos foram prorrogados, mas segundo a ministra, eles perduraram "pelo tempo necessário para a elucidação da trama criminosa, a fim de que fossem amealhados indícios imprescindíveis da participação de cada um dos envolvidos nos crimes apurados, sendo as sucessivas prorrogações do monitoramento motivadas na complexidade da atuação da quadrilha, sem qualquer constrangimento ilegal".
A relatora ainda acrescentou que "não é necessário apresentar outros motivos para se prorrogar a interceptação telefônica, além da necessidade de continuar o monitoramento telefônico para a solução das investigações, bastando fazer referência à fundamentação exposta no primeiro deferimento da diligência".
Veja a íntegra da decisão.
_____________
HABEAS CORPUS Nº 153.600 - SP (2009⁄0223076-8)
RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ
IMPETRANTE: MARIA ELIZABETH QUEIJO E OUTRO
ADVOGADO: EDSON CARVALHO VIDIGAL
IMPETRADO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO
PACIENTE: A.L.M.R.B.
EMENTA
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIMES DE QUADRILHA, DESCAMINHO E CORRUPÇÃO ATIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILEGALIDADE DOS INDÍCIOS OBTIDOS MEDIANTE A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. A decisão que deferiu a primeira interceptação telefônica evidenciou a existência de indícios de participação em infrações penais e a necessidade da medida, porque não se poderia apurar a conduta criminosa de outra maneira, nos exatos termos do art. 2.º Lei n.º 9.296⁄96.
2. A decisão que autorizou a interceptação telefônica do Paciente, questionada no writ, reportou-se à representação da autoridade policial, de modo a evidenciar a necessidade da medida, dada a imprescindibilidade da providência cautelar para o prosseguimento das investigações. Tais considerações são suficientes para justificar a autorização de escuta telefônica, em observância ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.
3. Observadas as disposições da Lei n.º 9296⁄96, como no caso, a obtenção de prova por meio de "interceptação telefônica é perfeitamente viável sempre que somente por meio dela se puder investigar determinados fatos ou circunstâncias que envolverem os denunciados." (HC 83515, Tribunal Pleno, Rel. Ministro NELSON JOBIM, DJ de 04⁄03⁄2005.)
4. A interceptação das comunicações telefônicas do Paciente perdurou pelo tempo necessário para a elucidação da trama criminosa, a fim de que fossem amealhados indícios imprescindíveis da participação de cada um dos envolvidos nos crimes apurados, sendo as sucessivas prorrogações do monitoramento motivadas na complexidade da atuação da quadrilha, sem qualquer constrangimento ilegal.
5. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte e do Supremo Tribunal Federal: "Persistindo os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica, não há obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente fundamentadas, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação." (RHC 85.575⁄SP, 2.ª Turma, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, DJ de 16⁄03⁄2007.)
6. Habeas corpus denegado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.
SUSTENTOU ORALMENTE: DR. EDSON CARVALHO VIDIGAL (P⁄PACTE)
Brasília (DF), 28 de agosto de 2012 (Data do Julgamento)
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de A.L.M.R.B., em face de acórdão denegatório do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, assim ementado:
"CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO 14 BIS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÃO FUNDAMENTADA. INDÍCIOS DE PRÁTICA DE DELITOS DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA, CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA E EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO. POSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÕES POR DECISÃO FUNDAMENTADA.
1. Habeas Corpus impetrado visando a declaração de nulidade das decisões que determinaram interceptações telefônicas e das provas delas derivadas, tornando-as processualmente inadmissíveis.
2. Em sede de habeas corpus, a teor do disposto no artigo 648, inciso VI, do Código de Processo Penal, o reconhecimento da nulidade processual somente é admissível quando a esta for manifesta, o que não ocorre no caso dos autos.
3. A interceptação era o meio necessário e indispensável para a colheita de provas. As investigações policiais levadas a cabo na Operação 14 Bis apuraram a existência de quadrilhas de funcionários públicos, empresários e despachantes funcionando na Alfândega do Aeroporto Internacional de Viracopos com o objetivo de importação irregular de mercadorias sem o pagamento dos impostos devidos. Assim, a representação ministerial para a interceptação teve fundamento em prévia descoberta da participação de Auditor da Receita Federal e de Técnico da Receita Federal nos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva e extorsão mediante sequestro.
4. À vista de indícios razoáveis de autoria de infração penal punida com reclusão, acrescida da indispensabilidade da interceptação de linhas telefônicas, para a produção de prova concreta da materialidade e autoria dos crimes, permitiu-se judicialmente o grampo telefônico, em consonância com o artigo 2º da Lei 9296⁄96.
5. A partir da interceptação inicialmente autorizada, foram identificados outras linhas telefônicas, com que mantinham contato os primeiros investigados, sobrevindo então nova decisão, também fundamentada, autorizando a interceptação da linha telefônica do paciente. Destarte, o pedido da autoridade ministerial tem embasamento fático e legal, preenchendo os requisitos exigidos na Lei 9296⁄96.
6. A Lei n° 9.296⁄96 não limita a possibilidade de prorrogação a um único período, sendo certo que tal interpretação inviabilizaria investigações complexas, como a que se cuida nos presentes autos. No caso dos autos, as prorrogações foram devidamente fundamentadas e justificadas pela complexidade das investigações e o número de pessoas envolvidas e sempre pautadas em diálogos reveladores de novos fatos. Precedentes do Supremo Tribunal Federal." (fls. 146⁄147)
Informam as Impetrantes que o ora Paciente, Delegado de Polícia, responde a quatro processos criminais resultantes da operação policial denominada 14 Bis.
Aduzem, nessa esteira, que as acusações pela prática dos crimes de formação de quadrilha (ação penal n.º 2006.61.05.009502-2), descaminho e corrupção ativa (ação penal 2006.61.05.009625-7), posteriormente unificadas no mesmo processo criminal, encontram suporte em prova ilícita porque, in verbis:
"a) a decisão que determinou a interceptação das linhas telefônicas do paciente não foi fundamentada, desobedecendo aos requisitos da Lei nº 9296⁄96 e da Constituição Federal;
b) as prorrogações de interceptação telefônica do paciente que se seguiram não foram igualmente fundamentadas;
c) as interceptações telefônicas perduraram mais de um ano, em total afronta ao disposto na Lei de Regências e na Constituição Federal." (fl. 04)
Requerem, assim, liminarmente, o sobrestamento do feito e, no mérito, o desentranhamento e inutilização das escutas telefônicas, com declaração de nulidade de todos os atos por elas contaminados, inclusive o recebimento da denúncia.
O pedido liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 338⁄339.
As judiciosas informações foram prestadas às fls. 345⁄355, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito.
O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 357⁄362, opinando pela denegação da ordem.
É o relatório.
HABEAS CORPUS Nº 153.600 - SP (2009⁄0223076-8)
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
A ordem não merece concessão.
Narram os autos que, no decorrer de investigação da Polícia Federal denominada "14 Bis", que apurou um esquema de contrabando e corrupção que atuava no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, o Juízo da 1.ª Vara Federal da localidade autorizou, inicialmente, a quebra do sigilo telefônico de funcionários da Receita Federal e, na medida em que surgiam novos indícios da prática delituosa por diversas outras pessoas, inclusive o Paciente, Delegado da Polícia Civil do Estado de São Paulo, deferiram-se posteriores interceptações telefônicas.
Encerradas as investigações, o Paciente foi denunciado em quatro ações penais. O presente habeas corpus, como ressalta a própria Impetrante, trata apenas das de números 2006.61.05.009502-2 e 2006.61.05.009625-7, reunidas pelo Juízo Federal processante porque tratavam dos mesmos fatos. No primeiro processo-crime, o Paciente foi denunciado como incurso no crime de quadrilha, e no segundo, pela prática de descaminho e corrupção ativa.
Os Impetrantes buscam na presente ordem, em suma, o trancamento da ação penal unificada, ao argumento de que as denúncias encontram suporte probatório apenas em prova ilícita, obtida por meio de escutas telefônicas deferidas sem a devida fundamentação.
Não lhes assiste razão.
O primeiro pedido de interceptação das comunicações telefônicas, em relação aos mencionados membros da Receita Federal, foi deferido nos seguintes termos:
"Com efeito, os fatos trazidos devem ser investigados em profundidade, tendo em vista existirem fortes indícios de cometimento de crimes de diversas espécies e de grande gravidade, a ensejar uma inaceitável realidade de insegurança e medo social, em especial, nas atividades exercidas no Aeroporto Internacional de Viracopos pelos dignos servidores da Receita Federal.
Pelos documentos existentes nos autos, resta indubitável que em relação ao investigado Eduardo José Prata Caobianco as investigações devem ter continuidade.
As peculiaridades da postura adotada pelo mesmo quando colidiu seu veiculo e fugiu, quando foi abordado pelos Guardas Municipais identificando-se como auditor fiscal, o fato de ter chamado um investigador de polícia conhecido seu para interferir em seu favor para evitar possível ocorrência. Negativa da lavratura do boletim de ocorrência pela autoridade policial, que só o fez após insistência do policial militar que auxiliou a Guarda Municipal, as versões contraditórias utilizadas para explicar a origem do dinheiro, dentre outras, são indícios mais que suficientes para que os trabalhos de investigação sejam retomados e os fatos sejam devidamente esclarecidos.
Quanto ao investigado Antonio Eduardo Vieira Diniz, consta dos autos que o mesmo estava em companhia de Eduardo no dia em que este foi abordado pelos guardas municipais, sendo que jantaram juntos em um restaurante localizado em um shopping center na cidade de São Paulo, e segundo depoimento prestado pelo próprio Eduardo à Corregedoria Geral da Polícia Civil (fls. 42⁄45), aquele estava acompanhando este último quando ocorreram os fatos, tendo inclusive comparecido na Delegacia do Município de Vinhedo⁄SP.
Ao examinar os autos, a participação de Antonio em todo o ocorrido restou nebulosa, sendo plausível que o mesmo tivesse conhecimento dos fatos. Tal realidade já me é suficiente para deferir o pleito em relação a mencionada pessoa.
Para corroborar meu convencimento, a peça exordial narra ainda que no procedimento anteriormente instaurado restou demonstrado que Eduardo mantinha contatos freqüentes com Antonio, sendo que ambos conversavam em códigos, denotando um concerto para a prática de delitos, o que fez necessário, naquela oportunidade, a ampliação da interceptação para o terminal telefônico de titularidade do ultimo.
Saliento que, não obstante a investigação já tenha se iniciado em outro feito (autos nº 2004.61.05.004422-4) e tenha sido interrompida por deficiência de estrutura material e humana da polícia federal local, entendo perfeitamente possível que a mesma seja reiniciada nos moldes narrados na peça preambular, notadamente pelos novos fatos noticiados envolvendo servidores da Receita Federal lotados nesta cidade de Campinas⁄SP, mais especificamente no Aeroporto de Viracopos.
Observo, porém, que as investigações contarão agora com o respaldo das Superintendências da Polícia e da Receita Federais, o que possibilitará o apoio técnico e humano necessários ao andamento dos trabalhos, o que faltou na investigação deflagrada no feito anterior, prematuramente interrompida consoante narra a inicial.
Importante frisar a postura adotada pelas mencionadas Superintendências, preocupadas que estão com a gravidade dos fatos noticiados, demonstrando disposição e coragem no escopo de esclarecer as ocorrências envolvendo servidores públicos federais, apurar responsabilidades e punir eventuais envolvidos.
Em razão das circunstâncias concretas e específicas do caso entendo necessária a quebra do sigilo telefônico dos investigados nos moldes propostos pelo Ministério Público Federal.
Observe-se que a Corregedoria da Receita Federal não obteve êxito na apuração realizada, o que reforça ainda mais a necessidade da quebra do sigilo telefônico dos servidores pois, como bem salientado pelos dignos representantes ministeriais, é cediço que o direito à intimidade não é absoluto e deve ser sacrificado quando em confronto com interesses maiores de toda a sociedade, notadamente quando esse sigilo está a servir como escudo para a realização de condutas espúrias e de grande lesividade social." (fls. 190⁄191)
A partir dessa interceptação inicialmente deferida, prorrogada por algumas vezes, foram identificadas outras linhas telefônicas, de pessoas com as quais os primeiros investigados mantinham contatos suspeitos. Uma dessas pessoas era o Paciente, motivo pelo qual sobreveio a decisão que autorizou a interceptação de sua linha telefônica, nos seguintes termos:
"Extrai-se do Auto Circunstanciado n. 04⁄2005 e áudios de interceptação gravados em CD, juntados às fls. 306⁄327, que os investigados continuam a manter uma relação rotineira entre si, sendo que em diversos contatos telefônicos persistem na prática habitual de participarem de conversas suspeitas com outros interlocutores, a indicar a prática de condutas ilícitas, interlocutores estes que também mantém conversações bastante suspeitas com terceiros.
Acrescente-se que os investigados continuam a empregar muita cautela e cuidado ao manter conversas ao telefone, porém, como bem salientou o órgão ministerial em sua manifestação, fica cada dia mais evidente o envolvimento dos mesmos e de seus interlocutores em negociações ilícitas.
Neste último período de monitoramento foi possível identificar algumas conversas mencionando valores supostamente pagos em razão das mencionadas negociações, além de um grande receio em virtude da alteração de chefia que, pelo que é possível aferir nos áudios, está para se concretizar na Inspetoria localizada no Aeroporto e na Corregedoria da Receita Federal.
A autorização da interceptação telefônica dos novos números identificados pelos agentes da polícia federal e indicados na representação da ilustre Autoridade Policial, às fls. 304⁄305, é medida que se impõe para possibilitar uma melhor elucidação do objeto das investigações.
Some-se ao raciocínio já formulado o fato de persistir a justa causa, necessária a amparar a diligência de monitoramentos telefônicos dos novos números indicados pelos agentes federais, na medida em que permanecem inalterados os fundamentos expostos na decisão anterior de fls.112⁄115.
Destarte, acolho o pedido de fls.304⁄305, para AUTORIZAR O MONITORAMENTO TELEFÔNICO, da seguinte forma:
5. n. (11) 9109.8000 (BCP), utilizado por A..." (fls. 201⁄202)
O decisum evidenciou a existência de indícios razoáveis de participação de outros agentes envolvidos em infrações penais punidas com reclusão e a necessidade da medida, porque não se poderia apurar a conduta criminosa de outra maneira, nos exatos termos do art. 2.º Lei n.º 9.296⁄96, que dispõe sobre a interceptação de comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.
Além disso, a decisão que autorizou a interceptação telefônica do Paciente reportou-se à representação de autoridade policial, para evidenciar a necessidade da providência cautelar para o prosseguimento das investigações.
É de se reconhecer, portanto, que a decisão demonstrou a necessidade de buscar informações sobre o envolvimento com as pessoas até então investigadas, em face da existência de "conversas suspeitas com outros interlocutores, a indicar a prática de condutas ilícitas, interlocutores estes que também mantém conversações bastante suspeitas com terceiros," fazendo expressa referência, repito, à promoção da autoridade policial e à manifestação do Ministério Público, as quais entenderam pelo cabimento da medida.
Entendeu o Magistrado de primeiro grau, por fim, que havia justa causa para os "monitoramentos telefônicos dos novos números indicados pelos agentes federais, na medida em que permanecem inalterados os fundamentos expostos na decisão anterior," e decretou a inclusão da linha telefônica do Paciente na interceptação.
Tais considerações, a meu ver, são suficientes para justificar a autorização de escuta telefônica, em observância ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.
Cumpre reproduzir, a propósito, parte do voto do Desembargador Relator do writ originário, bastante esclarecedor:
"A representação ministerial para a interceptação, formulada nos autos do procedimento 2005.61.05.003965-6, teve fundamento em prévia descoberta da participação do Auditor da Receita Federal Eduardo Jose Prata Coabianco e do Técnico da Receita Federal Antonio Eduardo Vieira Diniz nos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva e extorsão mediante sequestro (fls. 153⁄167).
Destarte, o pedido da autoridade ministerial tem embasamento fático e legal, preenchendo os requisitos exigidos na Lei 9296⁄96.
À vista de indícios razoáveis de autoria de infração penal punida com reclusão, acrescida da indispensabilidade da interceptação de linhas telefônicas, para a produção de prova concreta da materialidade e autoria dos crimes, permitiu-se judicialmente o grampo telefônico, em consonância com o artigo 2º da Lei 9296⁄96.
[...]
Assim, não há que se falar, ao menos no âmbito de cognição viável em sede de habeas corpus, em nulidade evidente por falta de fundamentação das decisões que autorizaram as interceptações telefônicas." (fls. 139⁄144)
Com efeito, a decisão que autorizou a interceptação telefônica original, aquela que estendeu a medida ao Paciente, além das que posteriormente a prorrogaram, foram devidamente fundamentadas, em observância às disposições da Lei n.º 9296⁄96.
No ponto, o acórdão impugnado ressaltou, com propriedade, o seguinte:
"Quanto à alegação de impossibilidade de prorrogação das escutas telefônicas, observo que a Lei n° 9.296⁄96 não limita a possibilidade de prorrogação a um único período, sendo certo que tal interpretação inviabilizaria investigações complexas, como a que se cuida nos presentes autos.
No caso dos autos, as prorrogações foram devidamente fundamentadas e justificadas pela complexidade das investigações e o número de pessoas envolvidas e sempre pautadas em diálogos reveladores de novos fatos (fls. 172⁄174, 175⁄177, 178⁄180, 181⁄183, 186⁄187, 190⁄191, 198⁄199, 203⁄204, 208⁄209, 211, 214, 217, 220, 223, 228, 233⁄234, 239⁄240, 245⁄246, 251⁄252, 257⁄258, 263⁄264, 269⁄270, 275⁄276, 277⁄278, 283⁄284, 289⁄290, 295⁄296 e 301⁄302)." (fls. 144⁄145)
De fato, as decisões que - a cada quinze dias - prorrogaram a diligência investigatória também fizeram expressa referência às promoções da autoridade policial e às manifestações ministeriais pela continuidade do monitoramento e à necessidade de buscar novas informações sobre as pessoas envolvidas nas negociações ilícitas investigadas.
E, até mesmo para evitar desnecessária tautologia, não é necessário apresentar outros motivos para se prorrogar a interceptação telefônica, além da necessidade de continuar o monitoramento telefônico para a solução das investigações, bastando fazer referência à fundamentação exposta no primeiro deferimento da diligência.
Frise-se que, da acurada leitura das decisões que deferiram os pedidos de prorrogação dos monitoramentos, percebe-se que sempre novos números de telefone eram incluídos e retirados de acordo com o rumo tomado pelas investigações. Aliás, o número do Paciente (n.º 9109-8000) não foi objeto de todas as prorrogações da diligência original, como afirma a Impetrante, o que evidencia o cuidado do Juízo Federal de piso em preservar a intimidade e o sigilo das comunicações dos investigados.
Em idêntico sentido:
"HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PRORROGAÇÕES. LICITUDE. ORDEM DENEGADA.
Segundo informou o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, as questionadas prorrogações de interceptações telefônicas foram, todas, necessárias para o deslinde dos fatos.
Ademais, as decisões que, como no presente caso, autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento. Como o impetrante não questiona a fundamentação da decisão que deferiu o monitoramento telefônico, não há como prosperar o seu inconformismo quanto às decisões que se limitaram a prorrogar as interceptações.
De qualquer forma, as decisões questionadas reportam-se aos respectivos pedidos de prorrogação das interceptações telefônicas, os quais acabam por compor a fundamentação de tais decisões, naquilo que se costuma chamar de fundamentação per relationem (HC 84.869, rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19.08.2005, p. 46).
Ordem denegada." (HC 92020, 2.ª Turma, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, DJe de 08⁄11⁄2010.)
"PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – OPERAÇÃO DILÚVIO DA POLÍCIA FEDERAL - DESCAMINHO – FALSIDADE IDEOLÓGICA – LAVAGEM DE DINHEIRO – INTERCEPTAÇÃO TELEMÁTICA DE DADOS – INDÍCIOS DE AUTORIA – IMPOSSIBILIDADE DE PROVAR POR OUTROS MEIOS – ELEMENTOS DE PROVA OBTIDOS POR MEIO LÍCITO – AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – ORDEM DENEGADA.
1. A interceptação telemática anterior a que se questiona, realizada com autorização judicial em relação a co-réu, constitui elemento idôneo a caracterizar os indícios de autoria necessários à quebra do sigilo telemático de outra pessoa suspeita, no curso da investigação policial.
2. Inexiste ilegalidade na interceptação telemática realizada quando ela é, aliada a presença de indícios de autoria, devido a peculiaridade do modus operandi do delito, o único meio de prova a esclarecer os fatos.
3. É idônea a fundamentação da decisão que esclarece a existência de indícios de autoria a possibilitar a quebra do sigilo telemático, ainda que a fundamentação seja sucinta.
4. Ordem denegada." (HC 101.165⁄PR, 6.ª Turma, Rel. Min. JANE SILVA - DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ⁄MG, DJ de 22⁄04⁄2008.)
"HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO. APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO.
1. É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da L. 9.296⁄96.
2. A interceptação telefônica foi decretada após longa e minuciosa apuração dos fatos por CPI estadual, na qual houve coleta de documentos, oitiva de testemunhas e audiências, além do procedimento investigatório normal da polícia. Ademais, a interceptação telefônica é perfeitamente viável sempre que somente por meio dela se puder investigar determinados fatos ou circunstâncias que envolverem os denunciados.
3. Para fundamentar o pedido de interceptação, a lei apenas exige relatório circunstanciado da polícia com a explicação das conversas e da necessidade da continuação das investigações. Não é exigida a transcrição total dessas conversas o que, em alguns casos, poderia prejudicar a celeridade da investigação e a obtenção das provas necessárias (art. 6º, § 2º, da L. 9.296⁄96).
4. Na linha do art. 6º, caput, da L. 9.296⁄96, a obrigação de cientificar o Ministério Público das diligências efetuadas é prioritariamente da polícia. O argumento da falta de ciência do MP é superado pelo fato de que a denúncia não sugere surpresa, novidade ou desconhecimento do procurador, mas sim envolvimento próximo com as investigações e conhecimento pleno das providências tomadas.
5. Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa d iligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Do contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L. 9.296⁄96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de interceptação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção.
Habeas corpus indeferido." (HC 83515, Tribunal Pleno, Rel. Ministro NELSON JOBIM, DJ de 04⁄03⁄2005.)
"CRIMINAL. HC. QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL, TELEFÔNICO E TELEMÁTICO. QUEBRA BASEADA NAS DECLARAÇÕES DE UMA SÓ PESSOA. ANÁLISE RESTRITA À SUA CAPACIDADE DE CONFIGURAR INDÍCIO DE AUTORIA E PARTICIPAÇÃO. APTIDÃO NÃO-ATACADA. INEXISTÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE PROVA. DISPONIBILIZAÇÃO ESPONTÂNEA DE INFORMAÇÕES PELO PACIENTE. DESNECESSIDADE AFASTADA EM RELAÇÃO AOS SIGILOS TELEFÔNICO E TELEMÁTICO E FALTA DE INTERESSE JURÍDICO EM RELAÇÃO AOS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. INSTALAÇÃO PRÉVIA DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VIOLAÇÃO À LIBERDADE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INOCORRÊNCIA. PARTICIPAÇÃO DEVIDO A FATORES DE ORDEM FAMILIAR E PESSOAL. PRERROGATIVAS QUE NÃO PODEM ACOBERTAR DELITOS. NATUREZA ABSOLUTA INEXISTENTE. DIVULGAÇÃO DE DADOS DECORRENTES DAS QUEBRAS. DETERMINAÇÃO EM CONTRÁRIO. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO DA DENÚNCIA. IMPROPRIEDADE. CRIMES DIVERSOS DOS ORA ANALISADOS. LEGALIDADE DA MEDIDA DEMONSTRADA. LIMINAR CASSADA. ORDEM DENEGADA.
Não prospera o argumento de ilegalidade da quebra, por ser baseada nas declarações de uma só pessoa, pois tal alegação nada diz com relação à legalidade ou ilegalidade da medida. O que deve ser analisado é se a declaração trazida aos autos tem a capacidade de configurar indício razoável de autoria ou participação em infração penal, sendo certo que a impetração não atacou a sua aptidão para tanto.
Se o depoimento que originou a quebra de sigilos narra comunicações por telefone, e-mails e fac-símiles, sendo que os encontros ocorriam em ambientes particulares e entre específicas pessoas, não se pode cogitar da produção de outros meios de prova para a apuração da veracidade das informações.
O fato de o paciente ter disponibilizado as informações referentes ao seu sigilo bancário e fiscal à Procuradoria da República, não só o fazendo em relação aos sigilos telefônicos e telemáticos, não ilide a necessidade da prova.
Se o paciente afirma não ter autorizado a quebra dos sigilos telefônico e telemático, afasta-se a argumentação da desnecessidade da medida e, de outro lado, se não se opõe sejam investigados seus sigilos bancário e fiscal, atesta a falta interesse jurídico nesta parte da impetração.
Não se pode condicionar a quebra do sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático à instauração prévia do procedimento investigatório, devendo-se exigir, apenas, que a necessidade de sua realização para a apuração da infração penal seja demonstrada, em consonância com os indícios de autoria ou participação no ilícito e desde que a prova não possa ser feita por outros meios disponíveis.
A legislação fala em “investigação criminal”, não prevendo, para a interceptação telefônica, a instalação prévia de inquérito policial.
Não prosperam as alegações relativas a eventual violação da liberdade de exercício profissional do paciente, se sobressai, da fundamentação do acórdão, que a medida foi tomada devido à possível participação do paciente em delito, devido a fatores de ordem familiar e pessoal e, não, em função do exercício da advocacia.
Ainda que atuasse como advogado, as prerrogativas conferidas aos defensores não podem acobertar delitos, sendo certo que o sigilo profissional não tem natureza absoluta.
É insubsistente a preocupação com eventual divulgação de dados, diante da expressa determinação, feita pelo Tribunal a quo, em estrita observância à lei, de que sejam mantidas em segredo as informações decorrentes das quebras de sigilos.
Não prospera a alegação de “arquivamento implícito da denúncia”, pois, de um lado, tem-se que eventuais omissões da denúncia podem ser supridas a qualquer tempo, e, de outro, porque a cópia da denúncia ofertada contra outro investigado não diz respeito aos fatos aqui analisados. Evidencia-se, tão-somente, que já foi ofertada peça acusatória contra um dos investigados no inquérito instaurado para apuração da ocorrência dos crimes de favorecimento pessoal e real – diversos dos imputados ao ora paciente.
Não há ilegalidade na decisão que decreta a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático do paciente, se devidamente demonstrada tanto a presença de indícios suficientes de participação em crime, como a peculiaridade de ser a única forma eficaz e disponível para a elucidação dos fatos.
Ordem denegada, cassando-se a liminar anteriormente deferida." (HC 20.087⁄SP, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 29⁄09⁄2003.)
No tocante à duração da medida, como bem considerou o Tribunal Regional Federal a quo, "a Lei n° 9.296⁄96 não limita a possibilidade de prorrogação a um único período, sendo certo que tal interpretação inviabilizaria investigações complexas, como a que se cuida nos presentes autos" (fl. 144⁄145).
Na espécie, a interceptação perdurou pelo tempo necessário para a elucidação da trama criminosa, a fim de que fossem amealhados indícios imprescindíveis da participação de cada um dos envolvidos.
Segundo consta, o Inquérito foi pontuado por dificuldades em se delimitar a participação dos investigados, diante da complexidade das atividades criminosas, do número de pessoas envolvidas e do constante surgimento de diálogos reveladores de novos delitos, o que justifica sua dilação, por cerca de um ano, sem que restasse caracterizado qualquer abuso ou constrangimento ilegal. Desse modo, entendo devidamente justificada a duração da interceptação telefônica.
Outro não foi o entendimento do acórdão impugnado que, apesar do inquérito ter durado cerca de um ano, entendeu devidamente justificado o excesso de prazo no seu encerramento "pela complexidade das investigações e o número de pessoas envolvidas e sempre pautadas em diálogos reveladores de novos fatos " (fl. 145).
Sobre o prazo de duração apropriado da interceptação telefônica, cabe transcrever o texto do seguinte precedente desta Quinta Turma, litteris:
"O art. 5º da Lei nº 9.296⁄96 tem o seguinte teor:
“Art. 5º. A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.
Entendo, na esteira do entendimento ora impugnado, que a interceptação telefônica de fato não pode exceder 15 dias. Porém, pode ser renovada por igual período, não havendo restrição legal ao número de vezes que possa haver tal renovação, se comprovada a sua necessidade.
Nesse sentido, corretas as razões do acórdão impugnado, baseadas na melhor doutrina, e com ressalva pertinente ao marco para contagem do prazo:
“A lei fixou um prazo para que se proceda à escuta telefônica: 15 dias. Dispôs também que este prazo pode ser renovado por igual tempo. Já quanto à quantidade de renovações, o texto legal silenciou. Vale dizer, o dispositivo dito violado não tem o alcance que lhe querem emprestar os Impetrantes, a não ser condicionar cada diligência a um novo pedido perante o Juiz, cautela, aliás, imperiosa por atingir o direito à intimidade.
A propósito, as palavras de Vicente Greco Filho (in Interceptação Telefônica, Saraiva, 1996, p. 31), no seguinte sentido de que ' A lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-se, então, que serão tantas quantas forem necessárias à investigação, mesmo porque 30 dias pode ser prazo muito exíguo”.
E em nota de rodapé, o mesmo autor analisa gramaticalmente o dispositivo, acrescentando que 'a leitura rápida do art. 5º, poderia levar à idéia de que a prorrogação somente poderia ser autorizada uma vez. Não é assim; 'uma vez', no texto da lei, não é adjunto adverbial, é preposição. É óbvio que se existisse uma vírgula após a palavra 'tempo', o entendimento seria mais fácil'.
Há outro aspecto a considerar. Segundo os Impetrantes (fl. 14), algumas renovações foram autorizadas após ultrapassados os 15 dias. Todavia, o prazo legal refere-se à execução da diligência e não à data da decisão do Juiz. Ou seja, o dia em que se iniciou a escuta telefônica propriamente dita é que deve ser tomado como marco para a contagem do prazo. Assim, como a execução da diligência dependia da implantação do terminal pela companhia telefônica, dificilmente essa providência teria sido tomada no mesmo dia da decisão que determinou a expedição de alvará de escuta (fl. 106). E, se o foi, não há como saber à vista dos documentos que instruíram a impetração'' (fl. 676).
Cumpre ressaltar que os fatos aqui tratados são extremamente complexos, envolvendo grande número de agentes e diversos delitos, o que ensejou, por óbvio, investigação policial diferenciada.
Assim, tem-se que a interceptação telefônica deve perdurar pelo tempo necessário à completa investigação dos fatos delituosos, sendo que o seu prazo de duração deve ser avaliado pelo Juiz da causa, considerando os relatórios apresentados pela polícia." (RHC 13.274⁄RS, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 29⁄09⁄2003.)
Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça e do Excelso Supremo Tribunal Federal:
"HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO ANACONDA. DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL APOSENTADO. CONDENAÇÃO POR FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ARGÜIDA ILEGALIDADE DE INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. MATERIAL QUE NÃO SERVIU PARA SUBSIDIAR AS INVESTIGAÇÕES, TAMPOUCO O ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.
1. O prazo previsto para a realização de interceptação telefônica é de 15 dias, nos termos do art. 5.º da Lei n.º 9.296⁄96.
2. A jurisprudência assente e remansosa aponta, contudo, para a possibilidade de esse prazo ser renovado, quantas vezes for necessário, até que se ultimem as investigações, desde que comprovada a necessidade.
3. Na hipótese em tela, conforme esclareceu a Corte Regional, "as informações obtidas a partir do procedimento de interceptação não geraram resultado algum à investigação à época em curso, tendo, inclusive, sido encerrado o monitoramento após o escoamento do prazo, [...] em nada servindo, portanto, como meio de prova na Ação Penal nº 128⁄SP, nem sequer à obtenção de outras que pudessem influenciar na condenação do paciente, " Inexistente, portanto, a argüida ilegalidade no acórdão condenatório.
4. Ordem denegada." (HC 43.958⁄SP, 5.ª Turma, Rel. Ministra LAURITA VAZ, DJ de 12⁄06⁄2006.)
""HABEAS CORPUS. “OPERAÇÃO ANACONDA”. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGAÇÕES DE NULIDADE QUANTO ÀS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPORTANTE INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO E APURAÇÃO DE ILÍCITOS. ART. 5º DA LEI 9.296⁄1996: PRAZO DE 15 DIAS PRORROGÁVEL UMA ÚNICA VEZ POR IGUAL PERÍODO. SUBSISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS QUE CONDUZIRAM À DECRETAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÕES FUNDAMENTADAS E RAZOÁVEIS.
A aparente limitação imposta pelo art. 5º da Lei 9.296⁄1996 não constitui óbice à viabilidade das múltiplas renovações das autorizações.
[...] Habeas corpus indeferido nessa parte." (HC 84.388⁄SP, 2.ª Turma, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, DJ de 19⁄05⁄2006.)
"RECURSO EM HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. PRORROGAÇÃO. POSSIBILIDADE. Persistindo os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica, não há obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente fundamentadas, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação. Precedente. Recurso a que se nega provimento." (RHC 85.575⁄SP, 2.ª Turma, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, DJ de 16⁄03⁄2007.)
"Recurso Ordinário em Habeas Corpus.
1. Crimes previstos nos arts. 12, caput, c⁄c o 18, II, da Lei nº 6.368⁄1976.
[...]
4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas desde que devidamente fundamentadas pelo juízo competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações. Precedentes: HC nº 83.515⁄RS, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ de 04.03.2005; e HC nº 84.301⁄SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unanimidade, DJ de 24.03.2006.
5. Ainda que fosse reconhecida a ilicitude das provas, os elementos colhidos nas primeiras interceptações telefônicas realizadas foram válidos e, em conjunto com os demais dados colhidos dos autos, foram suficientes para lastrear a persecução penal. Na origem, apontaram-se outros elementos que não somente a interceptação telefônica havida no período indicado que respaldaram a denúncia, a saber: a materialidade delitiva foi associada ao fato da apreensão da substância entorpecente; e a apreensão das substâncias e a prisão em flagrante dos acusados foram devidamente acompanhadas por testemunhas.
6. Recurso desprovido." (RHC 88371⁄SP, 2.ª Turma, Rel. Ministro GILMAR MENDES, DJ de 02⁄02⁄2007.)
"HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO. APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO.
1. É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da L. 9.296⁄96.
2. A interceptação telefônica foi decretada após longa e minuciosa apuração dos fatos por CPI estadual, na qual houve coleta de documentos, oitiva de testemunhas e audiências, além do procedimento investigatório normal da polícia. Ademais, a interceptação telefônica é perfeitamente viável sempre que somente por meio dela se puder investigar determinados fatos ou circunstâncias que envolverem os denunciados.
3. Para fundamentar o pedido de interceptação, a lei apenas exige relatório circunstanciado da polícia com a explicação das conversas e da necessidade da continuação das investigações. Não é exigida a transcrição total dessas conversas o que, em alguns casos, poderia prejudicar a celeridade da investigação e a obtenção das provas necessárias (art. 6º, § 2º, da L. 9.296⁄96).
4. Na linha do art. 6º, caput, da L. 9.296⁄96, a obrigação de cientificar o Ministério Público das diligências efetuadas é prioritariamente da polícia. O argumento da falta de ciência do MP é superado pelo fato de que a denúncia não sugere surpresa, novidade ou desconhecimento do procurador, mas sim envolvimento próximo com as investigações e conhecimento pleno das providências tomadas.
5. Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Do contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L. 9.296⁄96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de interceptação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção.
Habeas corpus indeferido." (HC 83515, Tribunal Pleno, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ de 04⁄03⁄2005.)
Ante o exposto, DENEGO A ORDEM de habeas corpus.
É o voto.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora