quinta-feira, 31 de março de 2011

Princípio da insignificância não se aplica a crime de moeda falsa

31/03/2011 - 10h13
DECISÃO

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça negou recurso em habeas corpus a um homem preso preventivamente e denunciado pela posse de 20 cédulas falsificadas de dez reais. Ele buscava o reconhecimento do princípio da insignificância, alegando ser ínfimo o valor das notas.

O relator, ministro Og Fernandes, destacou que, conforme reiterada jurisprudência do STJ, o princípio da insignificância não se aplica ao delito de moeda falsa, pois se trata de crime contra a fé pública, “insuscetível de ser mensurada pelo valor e quantidade de cédulas falsas apreendidas.” O ministro acrescentou que as células apreendidas com o réu somam R$ 200, valor que não pode ser considerado ínfimo.

No recurso, o acusado pedia ainda a revogação da custódia cautelar. O relator, no entanto, julgou a questão prejudicada, pois constatou que uma sentença condenatória foi proferida em data posterior à interposição do recurso. “Com isso, fica esvaziada a tese de falta de fundamentação idônea na decisão que decretou a prisão preventiva, pois a segregação agora decorre de novo título”, finalizou.

Os demais ministros da Sexta Turma acompanharam o voto do relator. 

Disponível em: www.stj.gov.br

Princípio da insignificância não se aplica a PM acusado de furto de chocolate

STJ

O STJ negou pedido da Defensoria Pública de MG para trancar uma ação penal contra um policial militar acusado de furtar uma caixa de chocolate. A 5ª turma entendeu que, embora a lesão jurídica provocada seja inexpressiva, a conduta do agente é altamente reprovável, visto ser um policial militar e estar fardado no momento do furto.
Segundo a denúncia, o policial no horário de serviço entrou em um supermercado, colocando a caixa de bombons dentro do colete à prova de balas. O policial teria pago somente por três maçãs, três bananas e uma vitamina, saindo sem pagar o chocolate. Ele teria sido surpreendido somente com quatro unidades de bombons, porque já teria ingerido as demais. O valor, segundo a defesa, seria o equivalente a R$ 0,40 à época.
A defesa pediu o trancamento da ação penal por ausência da justa causa, com base na aplicação do princípio da insignificância. O STJ, no julgamento de outro HC 141686 (clique aqui), aplicou o mesmo princípio a um processo em que uma pessoa foi acusada de furtar cinco barras de chocolate, no valor de R$ 15. Mas, segundo o ministro Gilson Dipp, relator do HC em questão, a situação não é a mesma. "O policial representa para a sociedade confiança e segurança", assinalou.
O ministro Dipp explicou em seu voto que, para a consideração de um fato típico (conduta lesiva a determinado bem jurídico) na esfera penal, devem ser levados em consideração três aspectos: o formal, o subjetivo e o material. O formal consiste na adequação da conduta ao tipo previsto na lei penal; o subjetivo, refere-se ao estado psíquico do agente; e o material, a um juízo de valor para aferir se determinada conduta possui relevância penal.
O princípio da insignificância não apresenta a relevância material, o que afasta liminarmente a tipicidade penal. É um princípio em que a conduta do agente, mesmo que não aprovada socialmente, é tolerada por escassa gravidade. Para sua configuração é preciso que alguns requisitos sejam preenchidos, como "a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressiva lesão jurídica provocada".
Quanto ao argumento da defesa, de que o artigo 240, parágrafo 1º, do Código Militar (clique aqui), permitiria a aplicação do princípio, o ministro considerou que há, isto sim, uma previsão de diminuição da pena, a ser analisada pelo juiz. "O dispositivo não pode ser interpretado de forma a trancar a ação penal, sendo certo que competirá ao juiz da causa, após o processamento da ação penal, considerar ou não a infração como disciplinar".
Segundo o ministro Dipp, a população espera do policial um comportamento adequado, do ponto de vista ético e moral.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Google é condenada por permitir ofensas em site

TJ/MT
O juiz Yale Sabo Mendes, titular do 5º JEC da comarca de Cuiabá/MT, condenou a empresa Google Brasil Internet Ltda. a pagar indenização equivalente a R$ 12 mil ao autor de uma ação de indenização por danos morais que alegou, com êxito, ter experimentado dano em decorrência da postagem de mensagens de cunho ofensivo no site de relacionamento Orkut.
Na peça contestatória, a empresa alegou ser impossível a fiscalização técnica e fática quando da criação de uma comunidade no site de relacionamento. Aduziu que milhares de informações e arquivos seriam lançados no ambiente virtual e que não existiria legislação específica que obrigue os provedores a exercer o controle do conteúdo inserido na internet por terceiros. Dessa forma, para a empresa não houve conduta ilícita de sua parte e os fatos narrados pelo autor da ação seriam insuficientes para dar ensejo à reparação por danos morais.
Segundo o juiz Yale Sabo Mendes, verifica-se pelos documentos juntados com a peça exordial, bem como o próprio reconhecimento tácito da parte reclamada, que a parte reclamante foi visivelmente humilhada pelos fatos que ocorreram dentro daquele ambiente virtual. "Quantas pessoas são ou poderão ser prejudicadas diariamente por tal situação absurda e ilegal, e nada se resolve, e pior nem tenta resolver. In casu, trata-se sim, de relação de consumo lato sensu, ficando bastante caracterizado o defeito do serviço e o dano decorrente desse defeito", observou o magistrado.
Conforme explicou, pela teoria do risco do empreendimento todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no campo de fornecimento de serviços tem o dever de responder pelos fatos resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. Para que o prestador de serviço possa se desonerar da obrigação de indenizar deve provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, o que não ocorreu no caso em questão.
O juiz considerou a atitude da reclamada, no mínimo, negligente, pois conforme a própria empresa confessou, não possui nenhum tipo de segurança efetiva (controle de informações) para os usuários daquele sistema virtual a não ser pela ferramenta "Denunciar abuso", que não protege o usuário. Ressaltou o magistrado que o site de relacionamento permite que qualquer pessoa mal intencionada use o sistema para escrever mensagens ofensivas a qualquer cidadão, inexistindo, no universo do Orkut, o legítimo Estado de Direito.
Ainda de acordo com o magistrado, a efetiva proteção ao consumidor encontra ressonância no princípio geral da vulnerabilidade, que busca garantir o princípio da isonomia, dotando os mais fracos de instrumentos que lhes permitam litigar em condições de igualdades pelos seus direitos. Ressaltou ainda que essa vulnerabilidade refere-se não apenas à fragilidade econômica do consumidor, mas também técnica.
Transitada em julgado, o juiz determinou que caso o condenado não efetue o pagamento no prazo de 15 dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10%.
TJ/SC - Entrega de extratos bancários a terceiro gera dano moral a correntista
A 2ª Câmara de Direito Civil do TJ/SC confirmou sentença da comarca da capital, e manteve a obrigação de o Besc - Banco do Estado de Santa Catarina indenizar C.L.V. em R$ 7 mil. Correntista individual há 21 anos, ela ajuizou a ação depois que extratos bancários de sua conta, referentes a um período de três anos, foram fornecidos a seu ex-companheiro pela instituição, e usados para instruir ação de separação. Para C., ficou caracterizada a quebra de sigilo bancário, com ocorrência de dano moral diante dos fatos que o sucederam.
O Besc apelou da sentença e afirmou que não houve má-fé por parte da instituição; negou ter sido o fornecimento dos extratos fato de repercussão pública. Acrescentou que o ex-companheiro tinha todos os dados e senhas, com autorização para movimentar a conta. Esta situação, porém, não foi comprovada.
O desembargador Sérgio Izidoro Heil entendeu que ficou clara a quebra de sigilo e o dano à autora. Para o magistrado, o dever do sigilo é imposição legal ao banco, o qual tem que evitar o conhecimento por estranhos dos serviços prestados.
"Porém, se o banco não tinha mecanismos para defender o direito dos seus correntistas de riscos que previamente conhece, se não instrui corretamente seus funcionários para que jamais forneçam dados de clientes a terceiros, deve responder pela omissão", concluiu o relator.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Crime de quadrilha não depende da concretização de outros delitos

10/03/2011 - 11h11
DECISÃO

Basta que mais de três pessoas se unam com o fim de realizar um ilícito para que o crime de quadrilha ou bando seja caracterizado, independentemente de o ilícito planejado ser iniciado ou não. Isso porque o crime de quadrilha é formal e de perigo abstrato. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O caso trata de cinco condenados que se uniram para furtar uma agência do Banco do Brasil e uma lotérica no Mato Grosso do Sul (MS). Antes da concretização dos furtos, o bando foi localizado, em posse de ferramentas como marretas, lanternas e pés-de-cabra. Os planos foram confirmados por vários depoimentos, inclusive da namorada de um dos envolvidos. Para a defesa, como não foi cometido nenhum dos crimes articulados pelo grupo, não se poderia falar em associação estável para a prática de crimes.

Mas, conforme a ministra Maria Thereza de Assis Moura, para o preenchimento das elementares do tipo do crime de quadrilha ou bando não é necessária a concretização dos delitos idealizados. Segundo explicou a relatora, tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STJ são uníssonas nesse sentido. O habeas corpus foi negado. 

Processo relacionado: HC135715

Não é possível compensar detenção anterior a fato que leva a nova prisão

11/03/2011 - 11h45
DECISÃO

A detração – compensação de prisão provisória cumprida anteriormente – só é possível para fatos ocorridos antes da nova prisão. Isto é, o cumprimento de prisão provisória anterior ao fato que leva a nova prisão não pode ser considerado para abatimento do período a ser cumprido em razão da nova condenação. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Primeiro, o réu ficou preso em razão de flagrante entre setembro de 2006 a julho de 2007. Nesse processo, ocorreu a anulação da primeira condenação, mas não sua absolvição. O feito ainda segue em trâmite. Posteriormente, em outro processo, o réu foi condenado a dois anos de prisão, por fato ocorrido em setembro de 2007. Para a defesa, o primeiro período de prisão deveria ser levado em conta na execução da pena definitiva, em respeito ao princípio constitucional da indenização por erro judiciário.

Mas, segundo a ministra Maria Thereza de Assis Moura, acolher a hipótese da defesa constituiria uma “conta corrente” penal, com o cumprimento precoce de pena de prisão por delito que venha a ser consumado no futuro.

A relatora afirmou que só com a absolvição definitiva do réu – que não ocorreu, ao menos até o momento – é que se poderia aventar a detração, mas nunca para fatos ocorridos depois da prisão. A ministra ressalvou, porém, que se confirmada a hipótese de erro judicial, pode-se buscar reparação civil, mas não admitir que o agente remisse a culpa por fato ainda não ocorrido. 

Processo relacionado: HC148318

sábado, 12 de março de 2011

É possível prisão domiciliar para apenado que trabalha em cidade diversa de onde cumpre pena

STJ 
A 5ª turma do STJ rejeitou recurso do MP/RS e manteve a permissão de um homem, condenado em regime semiaberto, a trabalhar em uma cidade diferente da comarca do juízo de execução.
Condenado a sete anos e três meses de reclusão em regime semiaberto pela prática de roubo e furto qualificado, o homem deveria cumprir a pena em Espumoso/RS. No entanto, ele havia conseguido emprego na cidade de Colorado/RS, distante 33 quilômetros.
Em primeira instância, foi concedida prisão albergue domiciliar, autorizando-o a se recolher à prisão apenas nos finais de semana. A decisão foi mantida pelo TJ/RS.
No STJ, o MP gaúcho sustentou que a concessão de prisão domiciliar está fora das hipóteses legais expressamente estabelecidas no artigo 117 da lei de execução penal (lei 7.210/84 - clique aqui). O fato de o emprego ser em cidade distante da comarca do juízo da execução não pode prevalecer, segundo o MP/RS, como impedimento ao regular cumprimento da pena privativa de liberdade, caso contrário o Estado seria obrigado a transferir qualquer preso que consiga uma oportunidade de trabalho em comarca distante de onde cumpre pena, afrontando a lei de execução penal.
O relator, desembargador convocado Adilson Vieira Macabu, afirmou que a lei 7.210/84 determina que o trabalho é não só um dever, como um direito do apenado, garantido igualmente pela CF/88 (clique aqui). "O apenado também é um sujeito de direitos e a função social da pena é a sua ressocialização, não o seu banimento nefasto do convívio em sociedade", completou.
Para Adilson Macabu, a decisão de conceder a prisão domiciliar não implicou ofensa à lei Federal nem divergiu da jurisprudência do STJ, que tem entendido ser possível a permissão do cumprimento da pena em regime domiciliar, em casos excepcionais, que diferem do elencado no artigo 117 da lei 7.210/84, caso do processo em questão.
O desembargador convocado ressaltou ainda que, "em razão da peculiaridade do caso, visando à ressocialização do condenado e levando em consideração suas condições pessoais, é possível enquadrá-lo como exceção das hipóteses discriminadas no dispositivo legal tido como violado". A decisão foi unânime.

quinta-feira, 10 de março de 2011

É o aparelho de telefonia celular um produto essencial?

Antes de mais nada, quero elogiar o trabalho desenvolvido pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça (DPDC), que  muito tem feito em defesa do consumidor.  E, o motivo deste meu artigo está relacionado à decisão do DPDC em definir como bem essencial os aparelhos de telefonia celular. Essa decisão acabou sendo questionada pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica e, por isso, ao final do ano passado gerou certo debate a respeito. Penso que o caso é simples e neste artigo eu apenas resumirei o que já escrevi sobre o assunto mais de uma vez, nos últimos dez anos em meus artigos e livros.
O Serviço Público de telefonia
Diz o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que os "órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos".
Anoto o dado importante para a análise, o de que a lei liga o aspecto da essencialidade do serviço com o aspecto de sua continuidade, isto é, sua não interrupção. Para deixar claro o significado disso, distingo os dois aspectos para a compreensão do que se pode entender por essencial e também contínuo.
Serviço essencial
É pela natureza dos serviços prestados, primeiramente, que se pode definir de sua essencialidade ou não. Assim, pode-se dizer que, em geral, o serviço público, exatamente pelo fato de sê-lo (público), somente pode ser essencial. Não poderia a sociedade funcionar sem um mínimo de segurança pública, sem a existência dos serviços do Poder Judiciário, sem algum serviço de saúde, etc. Nesse sentido, é que se diz que todo serviço público é essencial. Assim, também o são os serviços de fornecimento de energia elétrica, de água e esgoto, de coleta de lixo, de telefonia, etc. (privatizados ou não).
Mas, então, é de perguntar: se todo serviço público é essencial, por que é que a norma estipulou que somente nos essenciais eles são contínuos?  Para solucionar o problema, aponto dois aspectos:
a) o caráter não essencial de alguns serviços;
b) o aspecto de urgência.
Existem determinados serviços como, por exemplo, os de ordem burocrática, que, de per si, não se revestem de essencialidade. São serviços auxiliares que: a) servem para que a máquina estatal funcione; b) fornecem documentos solicitados pelo administrado (por exemplo, certidões).
Se fosse levantar algum caráter de essencialidade nesses serviços, só muito longínqua e indiretamente poder-se-ia fazê-lo. Claro que, existirão até mesmo documentos cujo serviço de expedição se reveste de essencialidade, e não estou olvidando disso. Por exemplo, o pedido de certidão para obter a soltura de alguém preso. Nessas hipóteses especiais, é o caso concreto que designará a essencialidade do serviço requerido.
O outro ponto é também relevante. Há no serviço considerado essencial um aspecto real e concreto de urgência, isto é, necessidade concreta e efetiva de sua prestação. O serviço de fornecimento de água para uma residência não habitada não se reveste dessa urgência. Contudo, o fornecimento de água para uma família é essencial e absolutamente urgente, uma vez que as pessoas precisam de água para sobreviver. Essa é a preocupação da norma.
Para ficarmos com exemplos no assunto deste artigo, lembro que ninguém pode duvidar da essencialidade e urgência do serviço de telefonia celular para a pessoa que tenha seu veículo quebrado à noite num lugar ermo; ou que esteja acompanhado de alguém que sofra um ataque cardíaco; ou – para ficarmos num exemplo infelizmente corriqueiro – que tenha sido sequestrada e colocada no porta malas de seu veículo, etc. Atualmente, a linha telefônica celular é mesmo necessária e essencial.
Logo, vê-se que o serviço público essencial revestido, também, do caráter de urgente não pode ser descontinuado.
Assim, como disse, num primeiro momento, esse caráter decorre da natureza do próprio serviço e/ou da situação concretamente existente. Mas, no caso brasileiro, a lei Federal também define o que vem a ser serviço essencial.  Trata-se da lei de Greve – lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989. Como essa norma obriga os sindicatos, trabalhadores e empregadores a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, acabou definindo o que entende por essencial. A regra está no inciso VII do art. 10, que dispõe, verbis:
"Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:
I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II – assistência médica e hospitalar;
III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV – funerários;
V – transporte coletivo;
VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII – telecomunicações:
VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X – controle de tráfego aéreo;
XI – compensação bancária".
Portanto, quer pela natureza do serviço prestado, quer pela definição legal, pode-se com certeza afirmar que o serviço de telefonia celular é essencial e, também, contínuo, não podendo ser interrompido. Aliás, realce-se que o CDC é claro nesse sentido, algo que, no Brasil, decorre diretamente do texto constitucional. Isto porque, a legislação consumerista deve obediência aos vários princípios constitucionais que dirigem suas determinações. Entre esses princípios encontram-se os da intangibilidade da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da proteção à segurança e à vida (caput do art. 5º), que tem de ser sadia e de qualidade, em função da garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado (caput do art. 225) e da qual decorre o direito necessário à saúde (caput do art. 6º), etc.
Ora, decorre daí a inteligência do texto do art. 22 da lei. Não é possível garantir segurança, vida sadia, num meio ambiente equilibrado, tudo a respeitar a dignidade humana, se os serviços públicos essenciais urgentes não forem contínuos.
Vejamos, agora, a questão do produto que envolve a prestação do serviço. Ou, perguntando de outro modo para o assunto deste artigo: Se a prestação do serviço de telefonia é essencial, o aparelho celular (produto) que permite sua utilização é ou não também essencial? Respondo na sequência.
O serviço público é apenas serviço ou também produto?
Em relação aos serviços em geral há os puros (prestados por meio da própria atividade) e os que são prestados com produtos que compõem o próprio serviço (a tinta do serviço de pintura, a cola da instalação do carpete, etc.). É importante frisar esse aspecto do serviço que se faz acompanhar do produto, para evitar dúvidas quanto ao serviço público. Este, ainda que entregue algum produto, como por exemplo a água ou a eletricidade, continua sendo caracterizado como serviço.
Para elucidar a questão aproveitemos uma objeção feita por ocasião do famoso black-out ocorrido no país em abril de 1999.  A questão colocada foi a de que água é produto, eletricidade também. Então, a distribuidora de energia elétrica, como revendedora do produto "energia", não pode ser responsabilizada pelo acidente de consumo que vitimou centenas de pessoas, em função do black-out. A abordagem dizia que, sendo ela distribuidora (comerciante) do produto, simplesmente não fez a sua entrega, porque não a recebeu das linhas de transmissão.
Mas o argumento é falacioso e desconhece a essência do significado do serviço. Como dissemos, há serviços que se prestam acompanhados de produtos. E os serviços públicos de fornecimento de água, energia elétrica, gás encanado, etc. são típicos nesse caso.
Na realidade é o "fornecimento" o serviço prestado. A montagem de toda a rede de transmissão, encanamento, saneamento, etc. é feita para que o serviço seja prestado, isto é, para que o "fornecimento" de água, energia elétrica, gás, seja realizado. É, repita-se, serviço essencial, que, por suas características, entrega produto, o que não o desnatura como serviço.
Assim, na hipótese de qualquer black-out (algo quem infelizmente, tem ocorrido com muita regularidade no país), a distribuidora responde pelo enquadramento no art. 14 do CDC (defeito do serviço prestado) ou no art. 20 (vício) e em todas as demais regras do sistema legal que cuidam dos serviços.
Desse modo, não pode haver qualquer dúvida de que, o produto uma vez integrado ao serviço essencial que é prestado reveste-se também do mesmo caráter de essencialidade. Veja-se o simples exemplo de uma torneira, quando se trata da prestação do serviço de água. Sem ela, o serviço jamais seria prestado. Ela é tão essencial quanto o próprio serviço. Da mesma forma, evidentemente, o aparelho celular (produto) é necessário para que o serviço essencial de telefonia seja prestado. Assim, esse produto se reveste do mesmo caráter de essencialidade.  É, portanto, como dito, uma falácia dizer que o serviço de telefonia é essencial, mas o produto necessário para sua recepção não é. Como é que o consumidor teria acesso ao serviço, se não fosse pelo aparelho? Ou da água ou gás se não fosse pelos canos e torneiras?
Por tudo o que expus, penso, pois, que estava, como está, certo o DPDC em definir o aparelho de telefonia celular como bem essencial. E, como tal, também como estipulado no CDC (art. 18, parágrafo 3º c/c parágrafo 1º do mesmo artigo), toda vez que o aparelho apresentar vício, deixando de funcionar adequadamente, cabe ao fornecedor fazer a troca do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso ou devolver o valor pago pelo mesmo.
Quero, por fim consignar que, se as trocas dos aparelhos implicarem em perdas financeiras para os fabricantes, isso não tem qualquer relevo, pois trata-se de risco de sua atividade atrelada ao fato de que, na verdade, quem está sofrendo perdas são os consumidores, que pagaram para receber os produtos em pleno funcionamento.
________________________
* Rizzatto Nunes Desembargador do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.

Anencefalia

Ministro Marco Aurélio libera processo para julgamento no STF
O ministro Marco Aurélio, relator da ADPF 54 que trata de um dos temas mais polêmicos em tramitação no STF – a possibilidade de interrupção terapêutica da gestação de fetos anencéfalos – concluiu seu voto e liberou o processo para que entre na pauta de julgamentos plenários, ainda sem data prevista.
A ação foi ajuizada em 2004 pela CNTS - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que defende a descriminalização da antecipação do parto em caso de gravidez de feto anencéfalo. A CNTS alega ofensa à dignidade humana da mãe o fato de ela ser obrigada a carregar no ventre um feto que não sobreviverá depois do parto. A questão é tão controversa que foi tema de audiência pública em 2008 no STF, que reuniu representantes do governo, especialistas em genética, entidades religiosas e da sociedade civil.
A audiência pública foi concluída após quatro dias de discussões, sob a condução do ministro Marco Aurélio, nos quais os defensores do direito das mulheres de decidir sobre prosseguir ou não com a gravidez de bebês anencéfalos puderam apresentar seus argumentos e opiniões, assim como aqueles que acreditam ser a vida intocável, mesmo no caso de feto sem cérebro. Foram ouvidos representantes de 25 diferentes instituições, ministros de Estado e cientistas, entre outros, cujos argumentos servem de subsídio para a análise do caso por parte dos ministros do STF.

sábado, 5 de março de 2011

O consumidor e os produtos viciados


Arthur Rollo*
Popularmente chamados de defeitos, os vícios dificultam ou impedem o uso dos produtos e serviços adquiridos pelo consumidor. Teremos também o vício quando houver depreciação do valor ou quando aquilo que foi prometido pelo fornecedor não for corretamente cumprido.
O produto, recentemente comprado, que não funciona ou que não traz para o consumidor a utilidade esperada contém vício. O serviço que não foi executado nos termos solicitados pelo consumidor e prometidos pelo fornecedor também.
O aspirador de pó que não liga ou que não suga a sujeira, o refrigerador que não resfria, o televisor que foi vendido riscado contém vícios. Da mesma forma, o serviço de conversão de fogão que acarreta o vazamento de gás, uma pintura mal executada, assim como o serviço de instalação de um box que permite o vazamento de água contém vícios.
Alguns produtos podem ser comercializados mesmo com vícios, desde que suas características não coloquem em risco a vida, a saúde e a segurança dos consumidores. Uma calça rasgada, manchada ou sem botão pode ser vendida ao consumidor, desde que ele seja informado prévia e claramente acerca desse problema e receba um abatimento correspondente no preço. De outro lado, produtos alimentícios cujos prazos de validade estejam vencidos nunca poderão ser comercializados, mesmo se houver desconto.
É comum, no mercado, o consumidor adquirir produtos com vício. Toda vez que isso acontecer, deverá o consumidor primeiramente reclamar ao fornecedor dentro de trinta dias, em se tratando de produtos não duráveis, e em noventa dias, em se tratando de produtos duráveis. Produtos não duráveis são os alimentos, os remédios e os cosméticos em geral que, na medida do seu uso, vão desaparecendo ou perdendo a utilidade e, se não forem usados, perecem. Os demais produtos são considerados duráveis, porque podem ser usados várias vezes sem que percam a sua utilidade para o consumidor.
Após a reclamação, deverá o fornecedor resolver o problema do consumidor imediatamente, nos produtos não duráveis, ou no prazo máximo de trinta dias, nos produtos duráveis. Se o problema for de contaminação de um alimento, por exemplo, o fornecedor deverá, imediatamente, substituí-lo, ou devolver o montante pago pelo consumidor. De outro lado, se a televisão comprada não estiver funcionando, o fabricante ou o comerciante terão trinta dias para sanar o problema. Se o vício não for sanado nesse prazo, o consumidor pode solicitar o desfazimento do negócio ou a substituição do produto por outro em perfeito estado. Em alguns casos de vício do produto também é cabível o abatimento proporcional do preço.
Em relação aos produtos duráveis, em regra, o consumidor deve aguardar que o problema seja solucionado em trinta dias. Ele só não terá que aguardar nos casos de produtos essenciais ou também quando a substituição das partes viciadas puder acarretar a desvalorização do produto. Nesses casos também o problema do consumidor deve ser sanado imediatamente.
A reclamação do consumidor deve ser feita dentro do período mais breve possível, sempre perante o fornecedor. Apenas diante da inércia na solução do problema é que o consumidor deverá procurar o Judiciário. Tratando-se de vício, o consumidor pode reclamar junto ao fabricante e também perante o lojista que vendeu o produto. No caso de serviço, a reclamação deve ser feita ao prestador, que deverá sanar o problema imediatamente. A reclamação deve ser feita em trinta dias da constatação do problema. Apenas nos casos de serviços executados com base em contrato ou que acarretem a instalação de produtos, a reclamação poderá ser efetuada em noventa dias.
Quanto antes o consumidor reclamar melhor.
___________________
*Advogado especialista em Direito do Consumidor e professor titular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo

STJ - Advogado é condenado por calúnia e difamação contra colega

Em mais um julgamento sobre excessos verbais cometidos por advogado no curso do processo, o STJ reafirmou seu entendimento de que a imunidade profissional prevista na CF/88 (clique aqui) não é absoluta. Dessa vez, a 5ª turma reformou decisão do TJ/MG e condenou um advogado de Pouso Alegre/MG por calúnia e difamação contra outro profissional.
Os ministros acompanharam integralmente o voto do relator, desembargador convocado Adilson Macabu, e impuseram ao advogado penas de detenção por calúnia (seis meses) e difamação (três meses). No entanto, como a queixa-crime que deu origem ao processo foi apresentada em 2004 e o prazo prescricional para esses delitos é de quatro anos, a turma, de ofício, reconheceu a prescrição da pretensão punitiva.
Além de se enfrentarem profissionalmente em uma ação indenizatória que tramitava na 1ª vara Cível da comarca de Pouso Alegre/MG, os advogados estavam em campos políticos opostos: um atuava ao lado do prefeito da cidade, enquanto o outro era vice-presidente de um partido adversário. Na ação, patrocinada pelo advogado oposicionista, uma moradora exigia indenização do prefeito, porque este a teria ofendido publicamente.
Contra a honra
A certa altura, ao redigir algumas peças dirigidas ao juiz, o advogado da autora acusou o colega de constrangimento ilegal, crime previsto no artigo 146 do CP (clique aqui), e também de outros comportamentos condenáveis, como usar de prestígio para buscar objeto ilícito no processo, faltar com a ética profissional e induzir a erro o próprio juiz.
O que motivou essas manifestações do profissional foi o fato de sua cliente, pessoa de baixa instrução, ter sido levada por assessores da prefeitura ao gabinete do prefeito e, na presença deste e de seu advogado, ter assinado documento desistindo da ação indenizatória. Posteriormente, a mulher declarou que foi pressionada a assinar e que não conhecia o conteúdo exato do documento.
O advogado do prefeito processou o colega por calúnia e difamação, em razão dos termos colocados nas petições, mas perdeu em primeira e segunda instâncias. O TJ/MG considerou que havia no processo indícios da prática de constrangimento ilegal contra a mulher, por isso o advogado autor da acusação não teria conhecimento da inocência do outro, o que afastaria a calúnia. O Tribunal ressaltou que, para a configuração do crime de calúnia, seria indispensável que ficasse comprovada a disposição de acusar alguém sabidamente inocente.
Ao julgar recurso especial contra a decisão do TJ/MG, o desembargador convocado Adilson Macabu considerou, porém, que o patrono (advogado) da autora da ação contra o prefeito "extrapolou todos os limites do razoável e do mero exercício de sua profissão", ao fazer uma acusação criminal sem provas, "o que acaba por afastá-lo do manto protetor da imunidade judiciária que o protege durante a prática de atos inerentes à sua profissão".
O relator disse que, "nos crimes contra a honra, deve-se observar não apenas as palavras utilizadas pelo ofensor, mas, principalmente, o contexto em que foram proferidas, bem como a motivação do agente dando ensejo a agressões descabidas, porquanto afastadas do contexto dos autos e dos limites da lide".
Segundo ele, "as palavras proferidas pelo querelado visavam atingir a honra do querelante, por ser este advogado do prefeito da cidade, adversário político daquele". O magistrado citou precedentes do STJ segundo os quais a inviolabilidade garantida pela CF/88 aos advogados não é uma imunidade absoluta, admitindo punição em caso de excessos.
Após votar pela aplicação das penas mínimas previstas no CP, o relator assinalou que os delitos de calúnia e difamação preveem o máximo de dois e um ano de detenção, respectivamente, o que significa que o prazo prescricional, nesses casos, é de quatro anos. "A queixa-crime foi recebida em 23 de agosto de 2004, sendo este o único marco interruptivo da contagem do prazo prescricional, tendo em vista que a sentença absolutória foi mantida em sede de apelação", disse. Como já transcorreram mais de seis anos, foi reconhecida de ofício a prescrição da pretensão punitiva.