segunda-feira, 19 de setembro de 2011


15/09/2011 - 08h05
DECISÃO
Seguradora deve indenizar cliente que preencheu o questionário de risco incorretamente
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão que obriga a Marítima Seguros a pagar a apólice de cliente. A seguradora havia se negado a pagar o valor contratado alegando descumprimento contratual, pois o questionário de risco teria sido preenchido incorretamente. A segurada, uma idosa de 70 anos, não poderia ser a condutora principal do veículo porque nem tinha carteira de habilitação, e o seu neto, apontado como condutor eventual, era, na verdade, o condutor habitual.

A cliente ajuizou ação de cobrança de indenização e também pedido de indenização por danos morais por não ter recebido da seguradora o valor do seu automóvel roubado. O juízo de primeiro grau condenou a seguradora a pagar, além do prêmio, três salários mínimos a título de danos extrapatrimoniais. Na apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou a sentença apenas para afastar a indenização por danos morais.

Inconformada, a seguradora recorreu ao STJ, alegando que estava obrigada a pagar indenização por risco não assumido no contrato, pois o perfil do condutor no momento do roubo – o neto da cliente – difere do perfil informado na ocasião do contrato, uma vez que a condutora principal – a idosa – não possuía carteira de habilitação.

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, considerou que declarações inexatas ou omissões no questionário de risco do contrato de seguro não implicam, por si, a perda do prêmio. Para que ocorra a perda da indenização, é necessário que haja má-fé do segurado, com agravamento do risco por conta das falsas declarações.

Para Salomão, o fato de a segurada não possuir carteira de habilitação e ser o neto o condutor do carro não agrava o risco para a seguradora. O veículo foi roubado, de forma que não há relação lógica entre o sinistro e o fato de o motorista ter ou não carteira de habilitação, pois isso não aumenta o risco de roubo.

Além disso, o ministro destacou que o preenchimento incorreto do questionário de risco decorreu da ambiguidade da cláusula limitativa, pois, de acordo com o entendimento do tribunal estadual, uma das cláusulas do contrato dava margem para a cliente informar que o veículo seria conduzido principalmente por seu neto, no atendimento de suas necessidades. Dadas as circunstâncias, Salomão aplicou a regra interpretatio contra stipulatorem: a interpretação mais favorável ao consumidor será a adotada no caso de cláusulas ambíguas ou contraditórias. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2011


Falta grave durante o cumprimento da pena altera data-base para concessão de benefícios
A 5ª turma do STJ decidiu que falta grave cometida por preso implica reinício da contagem do prazo para concessão de progressão do regime, mas não para livramento condicional, indulto e comutação da pena.
A decisão foi tomada em julgamento de recurso do MP contra decisão do TJ/RS, que determinou a regressão de um preso que havia cometido falta grave ao não voltar de serviço externo. O tribunal estadual determinou o retorno ao regime fechado e a perda dos dias remidos, mas não a interrupção do prazo para a concessão de novos benefícios.
O preso foi condenado a 15 anos, um mês e dez dias de reclusão, mais dez meses de detenção, e cumpria, à época da falta, regime semiaberto. O MP buscava o reconhecimento de que a prática de falta grave implica a alteração da data de início para a concessão de novos benefícios. O TJ/RS negou o recurso, dizendo que "a alteração da data-base para fins dos benefícios executórios decorre exclusivamente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, referente ao delito praticado no curso da execução penal".
O relator do caso no STJ, ministro Gilson Dipp, destacou que a Corte possui entendimento de que "a prática de falta disciplinar de natureza grave interrompe a contagem do lapso temporal para a concessão de benefícios que dependam de lapso de tempo no desconto de pena, salvo o livramento condicional, nos termos da Súmula 441, e a comutação de pena, cujos critérios para a concessão constam de sua legislação própria". Por esse motivo, o ministro determinou a reforma do acórdão para que se reconheça que a falta grave implica recomeço da contagem do prazo para progressão do regime.
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Telefone clonado inviabiliza transplante de córneas e obriga operadora a indenizar
A operadora de telefonia TIM Celulares deverá pagar indenização de R$8 mil a uma consumidora que, em virtude de ter a linha telefônica "clonada", não foi contatada para receber o transplante de córneas que tanto aguardava.
A decisão foi do 2º Juizado Especial Cível de Brasília. A TIM recorreu, mas a sentença foi mantida à unanimidade pela 2ª Turma Recursal do TJ/DF.
A autora ajuizou ação, sob o argumento de que suas duas linhas telefônicas pré-pagas foram "clonadas", prejudicando a regular utilização das mesmas, pois as ligações dirigidas a ela estavam sendo recebidas por outra pessoa. Em consequência, declara que perdeu o lugar na fila de transplantes de córnea, após quase cinco anos de espera, pois a central do Sistema Nacional de Transplantes não logrou contatá-la nos números disponibilizados, dada a ocorrência da fraude.
Na análise processual, a juíza aponta que a TIM não conseguiu provar que os créditos inseridos pela consumidora nos dois terminais pré-pagos estavam sendo consumidos por ela própria - e não por terceiro estelionatário -, limitando-se a dizer, tão somente, que a linha estava regular. Além disso, não juntou aos autos as gravações dos vários contatos que a autora manteve com sua central de atendimento, reclamando da possível fraude nas linhas telefônicas, inclusive naquela em que a atendente teria dito que uma pessoa de São Paulo vinha utilizando o número da titular.
A autora, por sua vez, apresentou comunicação de ocorrência policial noticiando a mencionada fraude, em abril de 2009, além dos números dos protocolos de atendimento fornecidos pela operadora.
Diante da manifesta falha na segurança do serviço prestado pela TIM, restou patente à magistrada o inequívoco nexo causal entre o fato do serviço e o dano experimentado pela autora, decorrendo daí a obrigação de reparar os danos. A juíza registra, ainda, que no caso em tela, a falha na segurança não gerou apenas transtornos, dissabores e contratempos, mas muito além disso, a angústia de perder o lugar na fila do cadastro nacional de transplantes.
Assim, atendendo aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como de vedação do enriquecimento ilícito, a julgadora fixou o valor de R$ 8 mil a título de reparação pelos danos imateriais experimentados, quantia a ser acrescida de juros de 1% e correção monetária.

Concedido HC para desclassificar crime de homicídio em acidente de trânsito
A 1ª turma do STF concedeu HC (107801 -clique aqui) a L.M.A., motorista que ao dirigir em estado de embriaguez, teria causado a morte de vítima em acidente de trânsito. A decisão da turma, do dia 6/9, desclassificou a conduta imputada ao acusado de homicídio doloso (com intenção de matar) para homicídio culposo (sem intenção de matar) na direção de veiculo, por entender que a responsabilização a título "doloso" pressupõe que a pessoa tenha se embriagado com o intuito de praticar o crime.
O julgamento do HC, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, foi retomado hoje com o voto-vista do ministro Luiz Fux que, divergindo da relatora, foi acompanhado pelos demais ministros, no sentido de conceder a ordem. A turma determinou a remessa dos autos à vara Criminal da Comarca de Guariba/SP, uma vez que, devido à classificação original do crime [homicídio doloso], L.M.A havia sido pronunciado para julgamento pelo Tribunal do Júri daquela localidade.
A defesa alegava ser inequívoco que o homicídio perpetrado na direção de veículo automotor, em decorrência unicamente da embriaguez, configura crime culposo. Para os advogados, "o fato de o condutor estar sob o efeito de álcool ou de substância análoga não autoriza o reconhecimento do dolo, nem mesmo o eventual, mas, na verdade, a responsabilização deste se dará a título de culpa".
Sustentava ainda a defesa que o acusado "não anuiu com o risco de ocorrência do resultado morte e nem o aceitou, não havendo que se falar em dolo eventual, mas, em última análise, imprudência ao conduzir seu veículo em suposto estado de embriaguez, agindo, assim, com culpa consciente".
Ao expor seu voto-vista, o ministro Fux afirmou que "o homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção perante a embriaguez alcoólica eventual". Conforme o entendimento do ministro, a embriaguez que conduz à responsabilização a título doloso refere-se àquela em que a pessoa tem como objetivo se encorajar e praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.
O ministro Luiz Fux afirmou que, tanto na decisão de primeiro grau quanto no acórdão da Corte paulista, não ficou demonstrado que o acusado teria ingerido bebidas alcoólicas com o objetivo de produzir o resultado morte. O ministro frisou, ainda, que a análise do caso não se confunde com o revolvimento de conjunto fático-probatório, mas sim de dar aos fatos apresentados uma qualificação jurídica diferente. Desse modo, ele votou pela concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao acusado para homicídio culposo na direção de veiculo automotor, previsto no artigo 302 do CTB (clique aqui).
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Íntegra do voto do ministro Luiz Fux
06/09/2011 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 107.801 SÃO PAULO
V O T O – V I S T A
PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A classificação do delito como doloso,  implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus.2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual.3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte.5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2005, p. 243)6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fáticoprobatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves,7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela Lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB).8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado contra acórdão denegatório de idêntica medida, sintetizado na seguinte ementa, in verbis:
HABEAS CORPUS . TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EXAME DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ANÁLISE APROFUNDADA DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as  dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu e a favor da sociedade. É o mandamento do art. 408 e atual art. 413  do Código Processual Penal.2. O exame da insurgência exposta na impetração, no que tange à desclassificação do delito, demanda aprofundado revolvimento do conjunto probatório - vedado na via estreita do mandamus -, já que para que seja reconhecida a culpa consciente ou o dolo eventual, faz-se necessária uma análise minuciosa da conduta do paciente.3. Afirmar se agiu com dolo eventual ou culpa consciente é tarefa que deve ser analisada pela Corte Popular, juiz natural da causa, de acordo com a narrativa dos fatos constantes da  denúncia e com o auxílio do conjunto fático-probatório produzido no âmbito do devido processo legal, o que impede a análise do elemento subjetivo de sua conduta por este Sodalício.4. Na hipótese, tendo a decisão impugnada asseverado que há provas da ocorrência do delito e indícios da autoria assestada ao paciente e tendo a provisional trazido a descrição da conduta com a indicação da existência de crime doloso contra a vida, sem proceder à qualquer juízo de valor acerca da sua motivação, não se evidencia o alegado constrangimento ilegal suportado em decorrência da pronúncia a título de dolo eventual, que depende de profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente sopesadas pelo Juízo competente no âmbito do procedimento próprio, dotado de cognição exauriente.5. Ordem denegada.
Segundo consta nos autos, o paciente foi denunciado pela prática de homicídio qualificado (art. 121, 2º, IV c/c art. 18, I, segunda parte do Código Penal), porquanto teria, na direção de veículo automotor e sob o efeito de bebidas alcoólicas, atropelado a vítima, que veio a óbito.
Pronunciado o paciente pelo delito de homicídio doloso, interpôs recurso em sentido estrito, que restou desprovido, ensejando a impetração de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, alfim denegado.
Nesta impetração, sustenta-se que o fato imputado ao paciente deve ser tipificado como homicídio culposo, uma vez que aplicável ao homicídio praticado em direção de veículo automotor por agente sob o efeito de bebidas alcoólicas o art. 302, inciso V, do CTB, na redação da Lei nº 11.275/06, in verbis:
Art. 302. ................
Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:
[...]
V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. (Incluído pela Lei nº 11.275, de 2006) (Revogado pela Lei nº 11.705, de 2008)
Alega que a Lei 11.275/06 entrou em vigor após a ocorrência do fato (19/05/2002), sendo aplicável ao caso sub judice mesmo que tenha sido revogada, posto ser mais benéfica (artigo 5º, inciso XL da Constituição da República e artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal).
Argumenta que a referida lei “atribui à embriaguez ao volante a condição de causa de aumento de pena em sede homicídio de trânsito culposo, impossibilitando que o estado ébrio seja considerado como justificativa do reconhecimento de dolo eventual, o que afasta a incidência do artigo 121 do Código Penal”.
Afirma que as instâncias inferiores reconheceram a ausência do “animus necandi”, de modo que, se paciente não anuiu nem aceitou o risco de produzir o resultado morte, deveria ser reconhecida a ocorrência de culpa consciente, e não de dolo eventual.
Aduz que a análise do presente writ não requer revolvimento de fatos e provas, como assentado pelo STJ, mas sim de revaloração do acervo probatório, sendo certo que não se pode atribuir automaticamente o dolo quando se trata de homicídio de trânsito decorrente de embriaguez.
Requer a desclassificação da conduta para o tipo do art. 302, “caput” da Lei n.º 9.503/97, “ainda que com o acréscimo previsto no inciso V do parágrafo único do mesmo dispositivo legal”, determinando-se a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
A liminar restou indeferida pela Relatora.
O parecer do MPF foi pelo indeferimento do writ.
Na assentada em que teve início o julgamento, a Relatora votou pela denegação da ordem.
É o breve relato. Passo a votar.
Cuida-se de habeas corpus em que se pretende a desclassificação da conduta imputada ao paciente para o homicídio culposo previsto no Código de Trânsito Brasileiro (art. 302 do CTB).
Com efeito, dispõe o artigo 419 do CPP que o juiz remeterá os autos ao órgão competente quando se convencer da existência de crime diverso e não for competente para o julgamento. Tal desclassificação, se omitida indevidamente, importa em graves consequências para a defesa, deslocando o processo ao Júri, cujo julgamento é sabidamente atécnico e, às vezes, até mesmo apaixonado, a depender do local onde ele ocorra.
Essas implicações potencializam-se ainda mais no caso sub judice, em que as diferenças de penas entre um e outro crime são gritantes. Para se ter uma ideia, a diferença da entre as penas mínimas do crime de homicídio qualificado (12 anos) e do homicídio culposo em direção de veículo automotor (2 anos) é de 10 anos.
Outrossim, observa-se atualmente, de um modo geral, seja nas acusações seja nas decisões judiciais, certa banalização no sentido de atribuir-se aos delitos de trânsito o dolo eventual, o que se refletiu no caso em exame.
No entanto, reconhecido na sentença de pronúncia e no acórdão que a confirmou que o paciente cometera o fato em estado de embriaguez alcoólica, a sua responsabilização a título doloso somente pode ocorrer mediante a comprovação de que ele embebedou-se para praticar o ilícito ou assumindo o risco de praticá-lo. A aplicação da teoria da actio libera in causa somente é admissível para justificar a imputação de crime doloso em se tratando de embriaguez preordenada, sob pena de incorrer em inadmissível responsabilidade penal objetiva. Nesse sentido, confira-se a doutrina de Guilherme de Souza Nucci:
18. A teoria da actio libera in causa: com base no princípio de que a “causa da causa também é a causa do que foi causado”, leva-se em consideração que, no momento de se embriagar, o agente pode ter agido dolosa ou culposamente, projetando-se esse elemento subjetivo para o instante da conduta criminosa. Assim, quando o indivíduo, resolvendo encorajar-se para cometer um delito qualquer, ingere substância entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação de inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente – afinal, o elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a bebida ou a droga. Por outro lado, quando o agente, sabendo que irá dirigir um veículo, por exemplo, bebe antes de fazêlo, precipita a sua imprudência para o momento em que atropelar e matar um passante. Responderá por homicídio culposo, pois o elemento subjetivo do crime projeta-se no momento de ingestão da bebida para o instante do delito. Desenvolve a Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal de 1940 a seguinte concepção: “Ao resolver o problema da embriaguez (pelo álcool ou substância de efeitos análogos), do ponto de vista da responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertatem relata, que, modernamente, não se limita ao estado de inconsciência preordenado, mas se estende a todos os casos em que o agente se deixou arrastar ao estado de inconsciência” (nessa parte não alterada pela atual Exposição de Motivos).Com a devida vênia, nem todos os casos em que o agente “deixou-se arrastar” ao estado de inconsciência podem configurar uma hipótese de “dolo ou culpa” a ser arremessada para o momento da conduta delituosa. Há pessoas que bebem por beber, sem a menor previsibilidade de que cometeriam crimes no estado de embriaguez completa, de foma que não é cabível a aplicação da teoria da actio libera in causa nesses casos. De outra parte, se suprimirmos a responsabilidade penal dos agentes que, embriagados totalmente, matam, roubam ou estupram alguém, estaremos alargando, indevidamente, a impunidad e, privilegiando o injusto diante do justo. No prisma de que a teoria da actio libera in causa (“ação livre na sua origem”) somente é cabível nos delitos preordenados (em se tratando de dolo) ou com flagrante imprudência no momento de beber estão os magistérios de Frederico Marques, Magalhães Noronha, Jair Leonardo Lopes, Jürgen Baumann, Paulo José da Costa Júnior, Munhoz Neto, entre outros, com os quais concordamos plenamente. Destacamos a responsabilidade penal objetiva que ainda impregna o contexto da embriaguez voluntária ou culposa, tratando-as como se fossem iguais à preordenada. Se é verdade que em relação a esta o Código prevê uma agravação (art. 56, II, c) também é certo que considera todas num mesmo plano para negar a isenção de pena. O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava, resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. [...] (Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243 – grifos adicionados)
Na mesma esteira de entendimento, a lição de Rogério Greco:
Pela definição de actio libera in causa fornecida por Narcélio de Queiroz, percebemos que o agente pode embriagar-se preordenadamente, com a finalidade de praticar uma infração penal, oportunidade em que, se vier a cometê-la, o resultado lhe será imputado a título de dolo, sendo, ainda, agravada a sua pena em razão da existência da circunstância agravante prevista  no art. 61, II, “I”, do Código Penal, ou, querendo ou não se embriagar, mas sem a finalidade de praticar qualquer infração penal, se o agente vier a causar um resultado lesivo, este lhe poderá ser atribuído, geralmente, a título de culpa. (Curso de Direito Penal: parte geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p.455 - grifos adicionados)
Ademais, a produção de um resultado lesivo causada pela violação de um dever objetivo de cuidado reúne condições suficientes para a configuração de crime culposo, tornando despicienda a alusão à teoria da actio libera in causa. Confira-se a doutrina de Zaffaroni e Pierangeli:
Vimos a estrutura do tipo culposo, e ela revela-nos claramente que quando aquele que se coloca em estado ou situação de inculpabilidade viola um dever de cuidado, está preenchendo os requisitos da tipicidade culposa, e não há necessidade de recorrer-se à teoria da actio libera in causa.
Aquele que bebe até embriagar-se, sem saber que efeitos o álcool causa sobre seu psiquismo, ou quem “para experimentar”, ingere um psicofármaco cujos efeitos desconhece, ou quem injuria outro sem considerar que pode ele ter uma reação violenta, está, obviamente, violando um dever de cuidado. Se sua conduta violadora do dever de cuidado, em qualquer desses casos, causa uma lesão a alguém, teremos perfeitamente configurada a tipicidade culposa, sem que seja necessário recorrer à teoria da actio libera in causa.Isto porque a conduta típica violadora do dever de cuidado é, precisamente, a de beber, ingerir o psicofármaco e injuriar, respectivamente, e, no momento de cometer este injusto culposo, o sujeito encontrava-se em estado e em situação de culpabilidade, pelo que é perfeitamente reprovável. Consequentemente, não tem sentido falar de actio libera in causa culposa, devendo o âmbito dessa teoria reduzir-se ao dolo.  (Manual de Direito Penal, Parte Geral, v. 1, 9. ed – São Paulo: RT, 2011, p. 460 – grifo adicionado)
In casu, segundo os termos em que a denúncia foi formalizada, tem-se a presunção de que o agente assumiu o risco de causar a morte da vítima em virtude de estar embriagado. Eis o teor da peça acusatória:
Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 19 de maio de 2.002, por volta das 07h00, no cruzamento da Rua Presidente Vargas com a Rua 13 de Maio , na cidade de  Pradópolis, nesta comarca, L. A. M., qualificado a fls. 68/71, agindo com animo homicida e mediante o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, produziu em Eliete Alves de Oliveira os ferimentos descritos no exame necrosc6pico de fls. 31 , os quais foram a causa eficiente de sua morte.
Segundo se apurou, o indiciado conduzia a camioneta GM D-20, placas BZC-2488, de Pradópolis/SP, pelo local dos fatos, em estado de embriaguez alcoólica (fls. 32), quando veio a atropelar a vítima, que por ali caminhava e, em decorrência dos graves ferimentos provocados por tal conduta, veio a falecer. Em razão de sua embriaguez alcoólica, o indiciado assumiu o risco de causar a morte da vítima ao conduzir um veículo automotor em via pública.O crime foi cometido com o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, senhora que praticava caminhadas por recomendações medicas e andava pacificamente pelas ruas de Pradópolis e, atingida de surpresa, não teve chances de esboçar qualquer reação de defesa ou mesmo de esquivar-se do veículo automotor. [...]
(grifo adicionado)
Mediante esta mesma presunção (embriaguez – assunção do risco), o paciente foi pronunciado por homicídio doloso qualificado pelo meio que impossibilite a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV c/c art. 18, I, segunda parte, ambos do CP). Confira-se o trecho da sentença pertinente ao tema:
[...]
Não se pode recusar a constatação, evidenciada pelo exame de embriaguez alcoólica que o acusado, na data dos fatos, conduzia o veículo embriagado.
Do exame de fls. 35 constou expressamente, que o acusado apresentava sintomas indicativos de que ingeriu bebida alcoólica e em consequência estava embriagado, colocando em risco, no estado em que se encontrava, em perigo, a segurança própria ou alheia. Conclui-se que o acusado estava em estado de embriaguez alcoólica.
Assim, mostra-se absolutamente correta a conclusão no sentido de que o acusado, pelo meio e modo como agiu, assumiu o risco de produzir o resultado morte da vítima,assentindo no resultado.
[...]
(fls. 31 e 32).
O Tribunal de Justiça, por sua vez, acrescentou, em julgamento de recurso da defesa, dado não constante na sentença (velocidade) e que, portanto não poderia ser considerado para agravar a situação do paciente. Além disso, também manifestou convencimento no sentido de o dolo eventual presumir-se da direção do veículo sob o efeito de bebidas alcoólicas, mesmo rechaçando expressamente a intenção de matar, in litteris:
Com efeito, é bem verdade que não restou comprovado que o réu tinha intenção de matar a vítima; porém, considerando que conduzia seu veículo embriagado e em velocidade incompatível com a localidade, entendo que não se importava com as possíveis consequências, o que evidentemente, caracteriza dolo eventual. Assim, havendo indícios de existência de crime doloso contra a vida, entendo acertada a decisão de pronúncia" (fls. 45). (grifo adicionado)
Consectariamente, observa-se ter havido mera presunção acerca do elemento volitivo imprescindível para configurar-se o dolo, não se atentando, pois, para a distinção entre dolo eventual e culpa consciente. Em ambas as situações ocorre a representação do resultado pelo agente.
No entanto, na culpa consciente este pratica o fato acreditando que o resultado lesivo, embora previsto por ele, não ocorrerá. Nelson Hungria traça com nitidez a diferença entre as duas situações mentais, in litteris:
Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico; mas, enquanto no dolo eventual o agente presta a anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de supereminência do resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá” (Comentários ao Código Penal, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 1., p. 116-117)
No mesmo sentido os ensinamentos de Heleno Cláudio Fragoso:
[...] assumir o risco significa prever o resultado como provável ou possível e aceitar ou consentir sua superveniência. O dolo eventual aproxima-se da culpa consciente e dela se distingue porque nesta o agente, embora prevendo o resultado como possível ou provável não o aceita nem consente. Não basta, portanto, a dúvida, ou seja, a incerteza a respeito de certo evento, sem implicação de natureza volitiva. O dolo eventual põe-se na perspectiva da vontade, e não da representação, pois, esta última, pode conduzir também a culpa consciente. Nesse sentido já decidiu o STF (RTJ, 351/282). A rigor, a expressão 'assumir o risco' é imprecisa, para distinguir o dolo eventual da culpa consciente e deve ser interpretada em consonância com a teoria do consentimento. (Lições de Direito Penal – parte geral, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 17. ed., p. 173 – grifo adicionado)
Portanto, do exame descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas consentindo em que produziria o resultado, o qual pode até ter previsto, mas não assentiu que ocorresse.
Vale ressaltar que o exame da presente questão não se situa no âmbito do revolvimento do conjunto fático-probatório, mas importa, isto sim, em revaloração dos fatos postos nas instâncias inferiores, o que é viável em sede de habeas corpus. Confiram-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990.
Por fim, vale ressaltar que a Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se mostrou mais favorável ao paciente. Ao  contrário, previu causa de aumento de pena para o crime em tese por ele praticado, de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB).
Ex positis, voto pela concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
É como voto.

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI140878,41046-Concedido+HC+para+desclassificar+crime+de+homicidio+em+acidente+deDisponível em:

segunda-feira, 5 de setembro de 2011


Tam pagará R$ 4 mil de indenização a passageira por atraso em voo
Uma passageira receberá R$ 4 mil de indenização por danos morais da Tam por um atraso de cerca de 12h em um voo, sem que tivessem sido oferecidos alimentação e acomodação durante o período de espera. A decisão é da 18ª câmara Cível do TJ/RJ.
V.S. embarcaria em um voo da empresa com destino a Nova York, às 23h, no dia 14/3. Como os procedimentos para embarque não eram iniciados e, ante a insistência de passageiros por informações, a empresa disse que o atraso era em função do mau tempo. Por volta das 3h da madrugada do dia seguinte, a empresa informou que a viagem estava cancelada em função da expiração do tempo do voo da tripulação.
Assim, todos os passageiros tiveram que recolher suas malas que já se encontravam despachadas e fazer outro check in para o novo embarque marcado para as 11h30. Segundo V., durante todo o período em que permaneceu no aeroporto, não lhe foram oferecidas acomodação e alimentação. Somente às 6h teria sido oferecido transporte para que os passageiros pudessem descansar em casa, mas ela não pôde aceitar em razão da distância da sua residência, o que tornaria difícil o retorno em curto espaço de tempo.
"Nenhuma assistência foi prestada aos passageiros a fim de minimizar os transtornos causados, sendo certo que o serviço de táxi oferecido já próximo ao novo embarque não teve qualquer serventia para a autora", destacou o desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, relator do processo.
  • Processo : 0185692-21.2010.8.19.0001 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0185692-21.2010.8.19.0001
APELANTE: TAM LINHAS AÉREAS S/A
APELADO: V.C.O.S.
RELATOR: DES. HELENO RIBEIRO PEREIRA NUNES
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA DE TRANSPORTE AÉREO. ATRASO DO VOO CONTRATADO. VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO POR PARTE DA EMPRESA DE TRANSPORTE AÉREO. ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DECASO FORTUITO, O QUAL, ENTRETANTO, NÃO SE MOSTRA HÁBIL A EXCLUIR A RESPONSABILIDADE DO PRESTADOR DO SERVIÇO, POR SE TRATAR DE RISCO INERENTE À ATIVIDADE DESENVOLVIDA.RESPONSABILIDADE FUNDADA, IN CASU, NA TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO. VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANO MORAL QUE SE REDUZ PARA R$ 4.000,00 (QUATRO MIL REAIS). RECURSO AO QUAL SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.
DECISÃO
Trata-se de ação pelo procedimento comum sumário por meio da qual a parte autora, ora apelada, requer a condenação da ré, a recorrente, ao pagamento de indenização a título de dano moral, em razão de defeito na prestação de serviços.
Sustenta a demandante, em apertada síntese, que, no dia 14 de março de 2010, embarcaria em um voo da segunda ré (American Airlines), com destino a Nova York e escala em São Paulo,com horário previsto para à 17:55 h.
Afirma que, todavia, após intensa espera, os passageiros foram informados que a aeronave não mais pousaria no aeroporto do Rio de Janeiro, já que, em razão do atraso, sairia direto de São Paulo para o exterior.
Assim, após mais um período de espera, e, em razão da impossibilidade de embarcarem para São Paulo, já que não havia mais ponte aérea, foram informados que a segunda ré (AmericanAirlines) transferiu os passageiros para um voo da primeira ré (TAM Linhas Aéreas S/A), o qual partiria direto para Nova York, às 23:00 h.
E, como os procedimentos para o embarque não eram iniciados, ante a insistência de vários passageiros, tiveram a notícia de que o atraso era em razão do mau tempo.
Acrescenta que por volta das 03:00 h da manhã foi noticiado que o vôo estava cancelado e o motivo desta feita era a expiração do tempo de voo da tripulação.
Aduz que, assim todos os passageiros tiveram que recolher as suas malas, as quais já se encontravam despachadas e fazer novo check-in para o novo embarque, então marcado para às11:30 h do dia seguinte.
Destaca que durante todo o período em que permaneceu no aeroporto não lhe foi fornecida alimentação ou acomodação, sendo certo que somente às 6:00 h da manhã foi oferecido transporte para que os passageiros pudessem descansar em casa, o que não pôde aceitar em razão da distância de sua residência, o que tornaria difícil o retorno em tão exíguo espaço de tempo.
A sentença de fls. 84/91 julgou extinto o processo relativamente à segunda ré, em razão do acordo firmado pelas partes, para pagamento da quantia de R$ 3.500,00, a título de dano moral.
Quanto à primeira ré, julgou procedente o pedido, condenando-a ao pagamento de indenização por dano moral que fixou em R$ 7.000,00.
Inconformada, recorre a ré, com as razões de fls. 98/111, através das quais, repisando os argumentos de sua peça de defesa, pugna pela reforma da sentença a fim de que seja julgado improcedente o pedido ou, alternativamente, pela redução do quantum fixado a título de dano moral.
Contrarrazões apresentadas pela autora às fls. 119/130, em prestígio do julgado.
É o relatório. Passo a decidir.
Assiste parcial razão à recorrente em seu inconformismo.
A matéria trazida a julgamento consiste na verificação da existência de falha na prestação do serviço por parte empresa de transporte aéreo, com o consequente dever de indenizar o danoeventualmente causado, cabendo ressaltar que a ora apelante não nega que os fatos ocorreram da forma como narrado pela autora, aduzindo tão somente que o atraso se deu, por primeiro, em razão do mau tempo e, ao depois, por conta da expiração do tempo de vôo da tripulação.
Todavia, ainda que a prova da ocorrência de ditas justificativas tivessem vindo aos autos, o que não ocorreu, os fatores apontados não teriam o condão de afastar a sua responsabilidade, haja vista estarem caracterizados como ‘caso fortuito interno’.
Sobre o tema, interessante colacionar ensinamento do eminente desembargador Sergio Cavalieri Filho, o qual faz a distinção entre caso fortuito interno e caso fortuito externo, quando se trata daresponsabilidade do transportador, verbis:
O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui aresponsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pelas suasconsequências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável. O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação. Em caso tal, nem se pode falar em defeito do produto ou do serviço (...). (Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo, Editora Atlas, 8ª edição, 2009 página 491).
Com efeito, o evento narrado evidencia a ocorrência de fortuito interno e, por isso, não exclui a responsabilidade do prestador de serviços, porquanto são situações que fazem parte da atividade desempenhada, ligando-se aos riscos de empreendimento.
Registre-se que dita responsabilidade é fundada na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade econômica deve responder pelos eventuais defeitos nos serviços prestados, independentemente de culpa.
Saliente-se, outrossim, que não socorre à ré a alegação no sentido de que os serviços não foram contratados com ela. E assim se entende porque, a partir do momento em que a segundademandante (American Airlines) transferiu seus passageiros para a ora apelante, novo contrato de prestação de serviços se firmou, sendo certo, inclusive, que houve a emissão de bilhete em nome da própria recorrente (fl. 30).
Acrescente-se, ademais, que nenhuma assistência foi prestada aos passageiros a fim de minimizar os transtornos causados, sendo certo que o serviço de táxi oferecido já próximo ao novo embarque não teve qualquer serventia para a autora.
A respeito do tema, confira-se o seguinte julgado:
APELAÇÃO CÍVEL 0189043-02.2010.8.19.0001 - DES. ELTON LEME - Julgamento: 08/06/2011 - DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. GOL COMPANHIA AÉREA. AGÊNCIA DE VIAGENS CVC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. CONTRATO DE TRANSPORTE. ATRASO NO VOO. PERDA DA CONEXÃO E DE UM DIA DE PACOTE DETURÍSTICO. DANO MATERIAL. COMPROVAÇÃO. DANO MORALCONFIGURADO. EXISTÊNCIA DE OMISSÃO NA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO. PROVIMENTO PARCIAL DOS EMBARGOS, SEM ALTERAÇÃO DO JULGADO.
1. Evidenciada a omissão sobre 
dispositivos prequestionados que foram objeto do recurso manejado pela parte embargante, mantendo-se, contudo, a condenação das rés, porquanto se trata de responsabilidade objetiva, a teor do disposto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.
2. Os documentos juntados aos autos não se 
mostraram aptos a demonstrar a alegada força maior com base no Código Brasileiro de Aeronáutica ou a culpa exclusiva davítima, conforme inteligência do art. 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor que prevalece sobre as demais leis aplicáveis.
3. Alegação de cancelamento de voo devido às 
condições do tempo que não é suficientemente hábil a elidir a responsabilidade da companhia aérea pelo evento danoso, tendo em vista que os riscos são inerentes à própria atividade desenvolvida pela companhia ré, conforme entendimento jurisprudencial.
4. Demonstrado nos autos que o cancelamento 
do voo Rio-Brasília implicou na perda da conexão para Aruba, não ficando comprovado nos autos que foram tomadas pelacompanhia aérea todas as medidas necessárias para que não se produzisse o dano, impõe-se o dever de indenizar como reconhecido na sentença.
5. Assim sendo, supre-se o 
prequestionamento no tocante às matérias suscitadas, mas sem o pretendido efeito infringente.
Todavia, a despeito de se mostrar cabível a fixação de quantia com o objetivo de reparar o dano moral sofrido pela apelada em razão da situação fática trazida aos autos, as circunstâncias que envolvem o caso, em especial a ausência de maiores consequências advindas do evento, demonstram a necessidade de se reduzir o valor fixado pelo sentenciante de piso a título de indenização por dano imaterial, qual seja, R$ 7.000,00 (Sete mil reais).
Saliente-se que a finalidade do dano moral como indenizável não consiste em proporcionar o enriquecimento do lesado, mas, sim, compensá-lo por violação a direitos afetos à personalidade.
Assim, levando em conta os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, entende-se que tal quantia deve ser reduzida para R$ 4.000,00 (Quatro mil reais), quantia esta que, acrescida do valor já recebido da corré, a nosso ver, se afigura suficiente para compensar o sofrimento suportado pela apelada.
Dita quantia deverá ser corrigida monetariamente a contar da data da sentença (julgado que a fixou – inteligência do verbete sumular nº 362 do STJ) e acrescida de juros de mora a contar da citação, mantendo-se os demais consectários da sentença.
Ante o exposto, na forma do art. 557, §1º-A, do CPC, dou parcial provimento ao recurso para reduzir a verba fixada a título de dano imaterial para R$ 4.000,00 (Quatro mil reais), quantia deverá ser corrigida monetariamente a contar da data da sentença (julgado que a fixou – inteligência do verbete sumular nº 362 do STJ) e acrescida de juros de mora a contar da citação, mantendo-se os demais consectários da sentença.
Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2011.
HELENO RIBEIRO PEREIRA NUNES
Relator

Para configurar tráfico interestadual não é preciso cruzar fronteira
Para configurar o tráfico interestadual de drogas, não se exige que o réu chegue a cruzar a fronteira entre os estados. O entendimento foi aplicado pela 6ª turma do STJ, ao negar pedido de HC apresentado contra decisão do TJ/MT. A ré, no caso, foi presa com 1,45 Kg de cocaína.
Em 23/11/08, um ônibus que deixou Cuiabá/MT, com destino a Brasília/DF, foi parado em um posto da Polícia Rodoviária no município de Primavera do Leste, ainda dentro dos limites do Estado de MT, para averiguação de rotina. A droga foi descoberta presa à barriga da traficante, que se fazia passar por grávida. Ela contou que havia comprado a cocaína em Cuiabá, por R$ 6 mil, e pretendia levá-la para Brasília.
Na sentença de condenação, o juiz reconheceu o tráfico interestadual e aumentou a pena em um quarto, conforme prevê o artigo 40, inciso V, da lei 11.343/06 (clique aqui), fixando a pena final em cinco anos de reclusão. O aumento da pena foi mantido pelo TJ/MT.
Com o HC impetrado no STJ, a defesa pretendia afastar o aumento de pena em razão da caracterização do tráfico interestadual. Argumentou-se que não seria possível aplicar o aumento de pena se a acusada não chegou a deixar o estado de origem, tendo sido presa com a droga ainda em MT.
A jurisprudência anterior do STJ considerava que, para a incidência da causa de aumento de pena, era imprescindível que os agentes tivessem ultrapassado a fronteira. No entanto, o relator do HC, desembargador convocado Haroldo Rodrigues, levou em conta a nova orientação adotada pela 6ª turma e pelo STF.
Segundo o relator, para configurar tráfico interestadual, não é indispensável que tenha havido transposição da fronteira entre os estados, bastando ser comprovado que a droga se destinava a outra unidade da federação, o que ficou amplamente evidenciado no processo, inclusive pelo depoimento da própria ré.