quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ex-gerente que engordou mais de 30 quilos devido ao trabalho deve ser indenizado


É o Big Mac !

Uma empresa responsável pela franquia da rede McDonald's deverá indenizar por danos morais um ex-gerente que engordou mais de 30 quilos durante os 12 anos em que trabalhou para a empresa.
Os desembargadores confirmaram parcialmente a sentença de 1º grau, reduzindo apenas o valor da indenização, de R$ 48 mil para R$ 30 mil.
Segundo informações do processo, o reclamante ingressou no emprego pesando entre 70 e 75 kg, e saiu com 105 kg. No entendimento da 3ª turma, a empresa contribuiu para que o autor chegasse ao quadro de "Obesidade 2", lhe trazendo problemas de saúde.
Conforme o desembargador João Ghisleni Filho, relator do acórdão, as provas indicaram que o ex-gerente era obrigado a degustar produtos da lanchonete - alimentos reconhecidamente calóricos, como hambúrguer, batata frita, refrigerante e sorvetes. Além disso, no horário de intervalo, a empresa fornecia um lanche composto de hambúrguer, batatas fritas e refrigerante. De acordo com testemunhas, na loja em que o autor trabalhou a maior parte do tempo a reclamada não permitia a troca do lanche por dinheiro ou vale-refeição.
O magistrado reconheceu que fatores genéticos e o sedentarismo possivelmente também foram causas da obesidade. Porém, na sua opinião, isso não exime a responsabilidade da empresa. "Mesmo que a adoção de alimentação saudável fosse uma escolha do reclamante, havia imposição para que fossem consumidos os produtos da reclamada como a refeição no intervalo intrajornada e, ainda, para degustação, mesmo que eventualmente, ou duas vezes ao dia, como se extrai da prova", cita o acórdão. Da decisão cabe recurso.
  • Leia abaixo a íntegra do acórdão.
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Processo : RO 0010000-21.2009.5.04.0
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. OBESIDADE. NEXO DE CONCAUSALIDADE. Apesar de a obesidade não ser reconhecida como doença ocupacional, resta provado que a degustação dos produtos era tarefa do reclamante, além da imposição do consumo dos lanches produzidos na reclamada como refeição no intervalo intrajornada. Elementos que formam a convicção de que há nexo de concausa entre o trabalho e a obesidade (grau II) do reclamante. A existência de concausa é circunstância que não elimina a culpa do empregador, admitindo-se tão somente a mitigação do valor da indenização, já que as condições em que era realizado o trabalho concorrem para o dano sofrido pelo empregado. Por outro lado, admite-se que a hereditariedade tem forte contribuição no peso corporal, aliada ao sedentarismo e hábitos alimentares, constituindo-se em importantes fatores para o sobrepeso adquirido ao longo do contrato de trabalho na reclamada. Recurso da reclamada parcialmente provido para reduzir a condenação em danos morais ao valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 27 DO C. TST. Nos termos do artigo 5º da Instrução Normativa nº 27 do C. TST, que dispõe acerca das normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho promovida pela EC 45/2004, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência, exceto nas lides decorrentes da relação de emprego. Recurso do reclamante provido para condenar a reclamada em honorários à razão de 15% sobre o valor bruto da condenação.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes E. Z. E KALLOPOLLI COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA. e recorridos OS MESMOS.
As partes, inconformadas com a sentença prolatada pela Juíza do Trabalho Fabíola Schivitz Dornelles Machado às fls. 193/207, recorrem ordinariamente.
A reclamada se insurge quanto à responsabilidade civil atribuída e o deferimento de danos morais e materiais, além do valor fixado a título de honorários periciais (fls. 211/221).
O reclamante busca conversão do pedido de demissão em demissão imotivada, pagamento de tratamento médico, indenização por danos morais e estéticos e honorários advocatícios (fls. 223/232).
Com contrarrazões do reclamante às fls. 236/238, e da reclamada nas fls. 240/244, sobem os autos a este Tribunal, para julgamento.
Processo não submetido a parecer pelo Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
ISTO POSTO:
CONHECIMENTO.
Tempestivos os apelos (fls. 183, 211 e 223), regular a representação (fls. 09 e 31), custas processuais recolhidas (fl. 220-v) e depósito recursal (fl. 219-v), encontram-se preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.
MÉRITO.
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL. OBESIDADE. NEXO DE CONCAUSALIDADE.
O juízo de origem afirma que o laudo médico e a prova oral permitem concluir pela existência de nexo de causalidade entre a patologia (obesidade) desenvolvida pelo reclamante e as atividades exercidas na demandada. Entende que o trabalho atuou como concausa, e na ausência de parâmetro técnico em relação ao percentual de contribuição do trabalho prestado, mas levando em conta as condições impostas, arbitra a responsabilidade da requerida pelo evento danoso em 80%.
A reclamada não se conforma, afirmando ter provado nos autos que o sobrepeso do reclamante não tem relação com o trabalho. Assevera jamais ter obrigado o reclamante a se alimentar exclusivamente dos produtos que fornece, mas que ele os consumia por vontade própria e porque gostava. Relata possuir em seu cardápio lanches do tipo saladas, iogurtes, frutas e carnes grelhadas, que são totalmente “light” há bastante tempo. Refere não ter o laudo médico concluído pelo nexo causal entre a doença e as tarefas realizadas na empresa. Aponta para as testemunhas que ocupam ou ocuparam os mesmos cargos que o reclamante e não apresentam qualquer alteração de peso. Alega ser o reclamante pessoa de hábitos sedentários, o que se comprova pelo fato de que mesmo afastado da empresa há mais de um ano, permanece obeso. Pretende a reforma da sentença quanto a sua responsabilização pelo dano, inclusive quanto aos honorários médicos, pois entende não ter sido o laudo favorável ao reclamante. Por fim, alega que a rotina de trabalho na empresa exige dinamismo dos empregados, não se podendo dizer que o trabalho é sedentário, pois os trabalhadores somente sentam quando usufruem intervalo intrajornada. Destaca que a obesidade e a hipertensão já são considerados problemas de saúde pública, não tendo o reclamante provado fato constitutivo do seu direito a teor dos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC.
À análise.
A comprovação do dano e a existência de nexo causal entre este e a atividade desempenhada pelo trabalhador são requisitos essenciais para que surja o dever de indenizar danos morais e patrimoniais em decorrência de acidente de trabalho ou doença ocupacional.
O reclamante trabalhou para a reclamada de 27.09.96 a 09.01.09, sendo sua remuneração à época da rescisão, R$ 1.741,37. Nasceu em 17.08.1978, tendo ingressado na reclamada com 18 anos. Apesar de não ter vindo aos autos o contrato social, é público e notório ser a empresa ré franquia da rede mundial de lanchonetes “Mc Donalds”, conhecida no ramo de alimentos do tipo “fast food”, cujo cardápio é composto basicamente de sanduíches, batatas fritas, refrigerantes e sorvetes. Mais recentemente, tem oferecido aos consumidores saladas, frutas e iogurtes.
Na inicial, relata que seu primeiro contrato de trabalho com a reclamada data de 21.03.94. Afirma ter sido submetido a longas jornadas de trabalho, e pressões psicológicas por conta de sistema de avaliação conhecido como “cliente misterioso”, onde pessoa desconhecida dos funcionários vinha à loja, adquiria produtos e elaborava relatório onde atribuía notas a todo o procedimento, observando a limpeza do local, comportamento dos funcionários e qualidade dos produtos. Relata ter sido obrigado em razão do cargo a degustar os alimentos produzidos pela reclamada, ingerindo excesso de sal, açúcar e gorduras, razão pela qual passou a apresentar altas taxas de colesterol, obesidade e flacidez muscular. Refere que, em decorrência de longas jornadas sem intervalos adequados, alimentava-se em pé, em horários irregulares, consumindo exclusivamente os produtos da reclamada.
Em defesa, a reclamada nega ter agido de forma desidiosa ou omissa, pois sempre disponibilizou assistência médica aos empregados.
Inicialmente, o juízo de origem determina perícia por médico psiquiátrico. O laudo do perito designado relata não ter o reclamante sintomatologia depressiva, ansiosa ou de estresse pós-traumático no momento ou mesmo anteriormente, bem como não há sintomas de incapacidade ou redução de capacidade laboral. Não há relação de nexo causal do quadro clínico atual com o trabalho exercido na época (fls. 135/142).
A pedido do reclamante, é nomeado perito médico clínico geral. O novo laudo aponta ser o reclamante portador de índice de massa corporal de 35,6, sendo considerado como portador de obesidade grau II (IMC entre 35,0 e 39,9). Relata ser a moléstia reversível através de dieta adequada e exercícios físicos, não havendo sequelas aparentes. Afirma não ser a obesidade patologia ocupacional (fls.166/169).
O reclamante relata ao perito que suas atividades incluíam degustar todos os produtos servidos de duas em duas horas, como sucos, refrigerantes, milk shakes e demais lanches, que o levaram a um aumento de peso considerável, e consequentemente, a um quadro depressivo. Refere ter ingressado com peso entre 70 e 75 kg e na época da rescisão, estava com 104 kg. Narrou também ter reduzido 30 kg em 04 meses em determinada época, mas não conseguiu manter a dieta em razão das atividades e da obrigação de degustar. Depois da demissão, não conseguiu mais reduzir o peso. (fls.166/167).
A prova testemunhal confirma a imposição de que o reclamante provasse os produtos. A testemunha A. C. S., que trabalhou na reclamada de 2000 a setembro de 2006, informa (fl. 182), que o reclamante tinha que provar os alimentos pelo menos duas vezes por dia; que o reclamante prova todos os alimentos constantes no cardápio; (...) que quem fazia a degustação era o gerente de plantão e os dois coordenadores; que a degustação era feita concomitantemente pelos três, os quais dividiam os alimentos que seriam experimentados; que o depoente também fazia degustação; que o depoente engordou em torno de 3 ou 4 quilos durante o seu contrato de trabalho.
A testemunha J. dos S. P. relata que a avaliação dos produtos é feita visualmente e eventualmente pode ser feita através de degustação; que o reclamante fazia degustação diária. A testemunha afirma não ter engordado desde que passou a trabalhar para a reclamada (admitida em 1993), mas que o reclamante sempre foi “fofinho”. Informa também que a reclamada fornece lanche, dependendo da carga horária, de forma que o empregado com carga de 4 horas diárias recebe um cheeseburguer, uma batata pequena e um refrigerante pequeno. Para quem trabalha além desta jornada, recebe um lanche de caixa, uma batata média e um refrigerante médio; para jornadas superiores, recebe também uma sobremesa. Afirma ser possível trocar a batata frita por salada, ou o refrigerante por suco. Contudo, a reclamada não autoriza a troca dos lanches por outros serviços de alimentação, mas a testemunha sabe que isto acontece com alguns empregados, mas nunca presenciou o reclamante fazer esta troca (fl. 182-v).
A prova testemunhal evidencia o nexo de concausalidade entre o dano (aumento de peso caracterizando obesidade de grau II) e o trabalho. O reclamante, como gerente de plantão, função que exerceu por cerca de dez anos, fazia degustação dos produtos. Além disso, resta provada a imposição de consumo dos produtos da reclamada durante a jornada. A testemunha J. informa que na Loja da Silva Só, não havia a possibilidade de troca de alimentação, somente na Loja Praia de Belas, porque havia uma praça de alimentação (fl. 183). O reclamante trabalhou a maior parte do tempo na loja da Silva Só (fl. 136).
Conforme divulgação da reclamada, um sanduíche do tipo “Big Mac” acompanhado de batatas fritas (“MacFritas” embalagem grande) e um refrigerante somam 1102 calorias, mais da metade da dieta de 2000 calorias diárias, somente numa refeição, conforme calculadora existente no sítio de internet do próprio Mac Donalds (http://www.mcdonalds.com.br/comendoeaprendendo/simulador_queimando_calorias.asp#).
Não tendo a reclamada comprovado ter adotado medidas efetivas para evitar a ocorrência de danos ou minimizar os efeitos nocivos inerentes às atividades exercidas pelo reclamante, impõe-se a condenação em danos morais e materiais. Mesmo que a adoção de alimentação saudável fosse uma escolha do reclamante, havia imposição para que fossem consumidos os produtos da reclamada como a refeição no intervalo intrajornada e, ainda, para degustação, mesmo que eventualmente, ou duas vezes ao dia, como se extrai da prova.
A existência de concausa é circunstância que não elimina a culpa do empregador, admitindo-se tão somente a mitigação do valor da indenização, já que as condições em que era realizado o trabalho concorrem para o dano sofrido pelo empregado.
A discussão quanto a ser a responsabilidade civil do empregador objetiva, calcada na teoria do risco, ou subjetiva, hipótese em que deve ser provada a culpa, é desnecessária no presente caso, pois a prova demonstra a omissão da reclamada em fornecer ambiente de trabalho salutar ao reclamante. Incide, ao caso, os artigos 186 do Código Civil, e a indenização correspondente no art. 927 do mesmo Código, e o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal.
Nega-se provimento.
2. HONORÁRIOS PERICIAIS.
Busca a reclamada sua absolvição quanto aos honorários periciais, entendendo não ter sido sucumbente no objeto da perícia.
Sem razão.
Mantida a condenação da reclamada, deve arcar com os honorários do perito médico, por sucumbente no objeto da perícia, à luz do art. 790-B, da CLT.
Provimento negado.
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE.
1. CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM DESPEDIDA IMOTIVADA.
O juízo de origem indefere a conversão do pedido de demissão em despedida imotivada, ao fundamento de que não há prova nos autos de que tenha havido coação ou qualquer outra espécie de vício de consentimento no pedido de demissão do reclamante, ônus que lhe competia, pois fato constitutivo do seu direito às parcelas pretendidas.
Assevera o reclamante ter firmado pedido de demissão sob coação, fato que não foi impugnado pela reclamada em nenhum momento nos autos. Relata que a não constatação de doença psiquiátrica no momento do exame pericial é irrelevante, pois devem ser consideradas as suas condições de saúde à época da despedida, aduzindo que já havia determinação para que fosse encaminhado para tratamento psiquiátrico para depressão pela assistência médica conveniada com a ré, o que foi obstaculizado pela ruptura do contrato de trabalho e a perda do convênio médico. Relata ter a 10ª Vara do Trabalho reconhecido a jornada extenuante que era imposta ao reclamante, condenando a reclamada em horas extras. Afirma ter o reclamante assinado o pedido de dispensa sem estar ciente de suas consequencias fático-jurídicas. Busca a reforma da sentença, para que seja convertido o pedido de demissão em dispensa imotivada e a condenação da reclamada em diferenças de verbas rescisórias.
Sem razão.
A reclamada apresenta documento onde o reclamante firma pedido de desligamento da empresa de próprio punho (fl. 57).
Mantém-se o entendimento da sentença quanto a não ter o reclamante provado ter sido coagido a pedir demissão e também quanto a ter informado ao perito que pretendia mudar de vida. Ademais, extrai-se dos autos que o reclamante foi de fato trabalhar no Rio de Janeiro.
Nega-se provimento.
2. DANOS ESTÉTICOS.
O juízo de origem indefere o pedido de danos estéticos, ao fundamento de que a moléstia é totalmente reversível.
O reclamante não se conforma, dizendo que a obesidade tem como marca a alteração da aparência, dispensando avaliação médica para que se prove o dano. Relata ter ingressado na reclamada com 15 (quinze) anos, e em razão da obrigação de degustar alimentos, a excessiva jornada de trabalho e a alimentação inapropriada fornecida pela reclamada, se tornou obeso, restando provado ter adquirido apelidos como “gordo” ou “gordinho”. Aponta que os laudos juntados são uníssonos quanto à obesidade, sendo evidente a modificação da aparência física, em que pese ser reversível o dano. Busca a condenação da reclamada em danos estéticos no valor apontado na inicial, duzentas vezes o seu último salário, ou outro valor a ser fixado pelo Colegiado.
Sem razão.
A jurisprudência tem aceito a reparação do dano estético sempre que houver alteração na harmonia física do trabalhador, tais como perda de um membro ou cicatriz, que desperte a atenção dos demais pela constatação da diferença ou que cause repulsa pelo aspecto.
No caso, não está presente deformidade física que se enquadre nestas situações. Ademais, como dito em sentença, as sequelas são reversíveis com a adoção de hábitos saudáveis quanto à alimentação e atividade física.
Negado provimento.
3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
A sentença indefere honorários advocatícios, porque ausente credencial do sindicato da categoria do trabalhador.
O reclamante se rebela, afirmando que deferir honorários somente aos advogados credenciados é reduzir a capacidade e cidadania da parte, que se obriga a contratar tais profissionais, ofendendo a Constituição Federal. Ademais, cria verdadeira reserva de mercado de trabalho aos advogados credenciados, em detrimento do trabalho dos demais, o que também é vedado pelo ordenamento jurídico. Pretende sejam deferidos os honorários, mormente por tratar a demanda de matéria cível, hipótese em que a presença técnico-jurídico se impõe ante a complexidade da matéria.
Com razão.
Nos termos do artigo 5º da Instrução Normativa nº 27, que dispõe acerca das normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho promovida pela EC 45/2004 do TST:
Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência.
A discussão destes autos envolve a indenização por danos morais decorrentes de doença ocupacional que se equipara a a acidente do trabalho.
Assim, sendo sucumbente a reclamada, são devidos honorários assistenciais no montante de 15% sobre o valor bruto da condenação.
Matérias comuns a ambos os recursos.
VALOR DAS INDENIZAÇÕES POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PAGAMENTO DOS TRATAMENTOS MÉDICOS PARA OBESIDADE E DEPRESSÃO.
A sentença condena a reclamada em danos morais no valor de R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil reais). Em relação aos danos materiais, ampara-se no laudo pericial que aponta ser reversível a moléstia com dieta adequada e exercícios físicos, impondo à reclamada suportar os custos decorrentes na proporção da responsabilidade que lhe foi imputada (80%), pois deve proporcionar o pleno restabelecimento das condições de saúde do reclamante,
A reclamada se insurge, afirmando que os valores são demasiados elevados. Afirma não ter a perícia médica constatado abalo moral, o que resta comprovado pelo fato de que o reclamante está trabalhando novamente no setor de alimentos em restaurante no Rio de Janeiro. Frisa a importância de que os valores de indenizações não proporcionem o enriquecimento sem causa do trabalhador.
O reclamante, por sua vez, diz que o valor é módico, não tendo considerado o fato de ter lhe sido impostas jornadas de trabalho desumanas. Aponta não ter a reclamada apresentado os registros de horário, nem exames admissionais. Pretende a majoração da verba nos termos da inicial, onde indica pretensão em quinhentas vezes o seu último salário, ou outro valor a ser fixado pela Turma, que se mostre mais condizente com a prova dos autos.
Em relação ao tratamento psiquiátrico, o reclamante afirma que o fato de o perito médico não ter constatado doença psiquiátrica no momento da avaliação, não significa que não possua, merecendo a questão maiores investigações por especialistas e exames complementares, e se realmente ficar comprovado não necessitar intervenção, nada pagará a ré a tal título. Repisa, contudo, a necessidade de tratar sequelas dos momentos em que trabalhou sobre grave pressão psicológica, devendo a reclamada arcar com os custos. Relata ter a sentença se utilizado da declaração do reclamante quanto a não ter buscado tratamento (fl. 17), para indeferir o pedido, mas o fato é que naquele momento estava desempregado, sem possibilidade de se manter integrado a convênio médico, não tendo condições financeiras para arcar com tratamento psiquiátrico necessário.
No que se relaciona ao tratamento da obesidade, pretende seja a reclamada condenada ao pagamento da integralidade do tratamento, rebelando-se contra o deferimento de 80% dos valores comprovados, Assevera ter sido considerado clinicamente obeso em decorrência tão somente do vínculo de emprego, sendo injusto ter que arcar com parte do tratamento médico.
Parcialmente com razão, a reclamada.
O dano moral surte efeitos na órbita interna do ser humano, causando-lhe uma dor, uma tristeza ou qualquer outro sentimento capaz de lhe afetar o lado psicológico, atingindo a esfera íntima e valorativa do lesado. Consiste na afronta ao código de ética de cada indivíduo, com repercussão na ordem social.
Desta forma, quando o litígio versar sobre direito moral, o autor não precisa comprovar que se sentiu ofendido ou humilhado com a atitude do agressor. A presunção sana a impossibilidade da prova da lesão de direito personalíssimo sofrida pela pessoa natural de direito em razão de ato ou omissão ilícita de outrem.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência exigem a prova inequívoca do fato e do nexo causal entre a ação do ofensor e o dano causado ao ofendido, o que restou plenamente caracterizado no caso concreto.
Constata-se que o reclamante sentiu a dor emocional alegada, e que os fatos em análise enquadram-se nas hipóteses previstas nas normas dos arts. 186 e 927 do Código Civil, motivo da condenação da recorrida.
Não havendo norma que atribua valores para reparação a título de dano moral, incumbe ao juiz sua fixação segundo critérios de eqüidade, observando a situação financeira dos litigantes, a gravidade do ato e da culpa, o caráter pedagógico da punição, entre outros.
O valor deve ser fixado objetivando a reparação da dor da vítima, ainda que nunca se alcance a reparação integral, sendo impossível a pretensão de se restituir à pessoa o seu estado anterior. Paralelamente, o valor deve ser significativo de modo a desestimular a conduta do ofensor.
Assim, o valor de R$ 48.000,00 (80% sobre R$ 60.000,00 mil reais) a título de danos morais se mostra excessivo, considerando que o trabalho foi concausa da moléstia.
A propensão individual do reclamante para adquirir peso restou demonstrada. A testemunha J. dos S. P. informa que o reclamante já era “fofinho” quando ingressou na reclamada (fl. 182, v). Esclarece também acerca da possibilidade do empregado trocar a batata frita por salada e o refrigerante por suco, ou mesmo já vir alimentado de casa. Assim, entende-se que o reclamante, em que pese fosse induzido ao consumo diário dos produtos de alta teor calórico, tinha arbítrio sobre os alimentos ingeridos, podendo optar pela salada, suco, ou até mesmo trazer uma fruta de casa.
É do senso comum que o sedentarismo e o consumo excessivo de alimentos ricos em gorduras e açúcares têm grande responsabilidade no excesso de peso. Também é sabido que alguns indivíduos permanecem magros, apesar de consumir grandes quantidades de alimento, enquanto outros engordam, mesmo sem grandes exageros à mesa. Há ainda aquelas pessoas com sobrepeso que controlam a alimentação e jamais conseguem ficar magras. Ao que tudo indica, a hereditariedade tem forte contribuição no peso corporal.
Desta forma, entende-se que o excesso de peso, mesmo considerando a imposição de alimentos calóricos, tem forte componente hereditário e também volitivo, pois o indivíduo escolhe os alimentos que consome, razões pela qual a reclamada é responsável por 50% do dano produzido, fixando-se a indenização por dano moral em R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Quanto ao tratamento psiquiátrico, adota-se o entendimento da origem, de que o reclamante não produziu prova apta a infirmar o laudo médico, que atesta a inexistência da moléstia, limitando-se a impugná-lo. Desta forma, não resta provado ter o reclamante depressão em consequência do contrato de trabalho.
Rejeita-se também a pretensão de que a reclamada seja condenada em custeio integral do tratamento médico necessário para o restabelecimento das condições de saúde, pois é certo que há culpa concorrente do reclamante, na medida em que há um componente volitivo na escolha dos alimentos. Em que pese o trabalhador tenha sido induzido a maus hábitos alimentares em razão da obrigação de degustar e do acesso fácil a alimentos calóricos cotidianamente, tais fatos foram concausas do excesso de peso adquirido à época do contrato de trabalho. Ademais, o sucesso do tratamento depende de compromisso e esforço pessoal e não apenas da disponibilização de recursos por parte da empresa.
Dá-se provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para reduzir a condenação em danos morais ao valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Nega-se provimento ao recurso do reclamante.
PREQUESTIONAMENTO.
Não se entende presente violação aos artigos eventualmente apontados, admitindo-se como prequestionados, mesmo quando não foram expressamente mencionados no acórdão, a teor da Súmula 297 do TST.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por maioria, vencida em parte a Desa. Flávia Lorena Pacheco quanto ao dano moral, dar provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para reduzir a condenação em danos morais ao valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). À unanimidade, dar provimento parcial ao recurso ordinário do reclamante para acrescer honorários assistenciais à razão de 15% sobre o valor bruto da condenação.
Valor da condenação que se reduz para R$ R$ 32.000,00 (trinta e dois mil reais).
Intimem-se.
Porto Alegre, 6 de outubro de 2010 (quarta-feira).
JOÃO GHISLENI FILHO
Relator

DISPONÍVEL EM: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI120279,91041-TRT4+Ex-gerente+do+McDonald's+ganha+indenizacao+por+ter+engordado

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Eleitor não pode ser preso a partir desta terça

26/10/2010 - 07h00


Do UOL Eleições
A partir desta terça (26) até o dia 2 de novembro, às 17h, nenhum eleitor poderá ser preso, para que seja garantido o livre exercício do voto, informa o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). 
Pela lei eleitoral, nenhuma autoridade pode, desde cinco dias antes e até 48 horas depois do encerramento da eleição prender ou deter qualquer eleitor. 
As únicas exceções são se houver flagrante delito (de crime afiançável ou inafiançável), se o eleitor sofrer sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou por desrespeito a salvo-conduto. 
O eleitor não pode ser preso por crime cuja situação de flagrante já se encerrou, por condenação a crime afiançável ou por prisão preventiva ou provisória decretada. 
No primeiro turno, o TSE divulgou 204 ocorrências, das quais 43 com prisões, por transporte ilegal de eleitores, compra de votos e, em sua maioria, boca de urna. Quanto aos não candidatos, foram 1.664 ocorrências, 598 delas com prisões registradas.

domingo, 10 de outubro de 2010

O silêncio dos inocentes: STJ define aplicação concreta da garantia contra autoincriminação

10/10/2010 - 09h59
ESPECIAL

“Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser pode e será usado contra você no tribunal.” A primeira parte do “Aviso de Miranda” é bastante conhecida, pelo uso rotineiro em filmes e seriados policiais norte-americanos. Mas os mesmos preceitos são válidos no Brasil, que os elevou a princípio constitucional. É o direito ao silêncio dos acusados por crimes.

Esse conceito se consolidou na Inglaterra e servia de proteção contra perseguições religiosas pelo Estado. Segundo Carlos Henrique Haddad, até o século XVII prevalecia o sistema inquisitorial, que buscava a confissão do réu como prova máxima de culpa. A partir de 1640, no entanto, a garantia contra a autoincriminação tornou-se um direito reconhecido na “common law", disseminado a ponto de ser inserido na Constituição norte-americana décadas mais tarde. A mudança essencial foi transformar o interrogatório de meio de prova em meio de defesa – não deve visar à obtenção de confissão, mas sim dar oportunidade ao acusado de ser ouvido.

No Brasil, a previsão constitucional é expressa. Diz o inciso LXIII do artigo 5º: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. A Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da Organização das Nações Unidas (ONU) seguem a mesma linha.

Antes, já era reconhecido, e o Código de Processo Penal (CPP), de 1941, ainda em vigor, prevê tal proteção. Porém a abrandava, ao dispor que o juiz deveria informar ao réu que não estava obrigado a responder às perguntas, mas que seu silêncio poderia ser interpretado em prejuízo da defesa. O texto foi alterado em 2003, para fazer prevalecer o conteúdo real do princípio constitucional. Diz agora o CPP: “O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.”

Na doutrina, o princípio é chamado de “nemo tenetur se detegere” ou princípio da não autoincriminação. Diversos casos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) definem os limites para o exercício desse direito fundamental, revelando sua essência e consequências efetivas.

Bafômetro

Um exemplo recente da aplicação do preceito diz respeito à Lei n. 11.705/08, conhecida como Lei Seca. Essa norma alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para estabelecer uma quantidade mínima e precisa de álcool no sangue a partir da qual se torna crime dirigir.

Antes, o CTB previa apenas que o motorista expusesse outros a dano potencial em razão da influência da bebida ou outras substâncias. Não previa quantidade específica, mas exigia condução anormal do veículo. “Era possível, portanto, o exame de corpo de delito indireto ou supletivo ou, ainda, a prova testemunhal, sempre, evidentemente, que impossibilitado o exame direto”, afirma o ministro Og Fernandes em decisão da Sexta Turma de junho de 2010.

Porém, recentemente, a Sexta Turma produziu precedente de que, com a nova redação, a dosagem etílica passou a integrar o tipo penal. Isto é, só se configura o delito com a quantificação objetiva da concentração de álcool no sangue – que não pode ser presumida. Agora, só os testes do bafômetro ou de sangue podem atestar a embriaguez. E o motorista, conforme o princípio constitucional, não está obrigado a produzir tais provas (HC 166.377).

Leia mais sobre a decisão: Falta de obrigatoriedade do teste do bafômetro torna sem efeito prático crime previsto na Lei Seca

Mas, é bom lembrar, o STJ não concede habeas corpus preventivo para garantir que o motorista, de forma abstrata, não seja submetido ao exame. É que só se admite o salvo-conduto antecipado em caso de lesão iminente e concreta ao direito de ir e vir do cidadão (RHC 27373). E também não reconhece o problema da submissão ao bafômetro – ou da ausência do exame – na vigência da redação anterior do CTB (HC 180128).

Mentiras sinceras

Também não se admite a produção deliberada de provas falsas para defesa de terceiros. Nesse caso, a pessoa pode incorrer em falso testemunho. É o que decidiu o STJ no HC 98.629, por exemplo.

Naquele caso, o autor de uma ação de cobrança de honorários contra um espólio apresentou como testemunha uma pessoa que afirmou ter assinado documento dois anos antes do real, para embasar a ação de cobrança. Mesmo advertido das consequências legais, a testemunha confirmou expressa e falsamente ter assinado o documento na data alegada pelo credor desleal, o que foi desmentido por perícia. Foi condenado por falso testemunho.

Não é o mesmo que ocorre com a testemunha que, legitimamente, mente para não se incriminar. Nem com seu advogado, que a orienta nesse sentido. A decisão exemplar nesse sentido foi relatada pelo ministro Hamilton Carvalhido. No HC 47125, o acusado era advogado de réu por uso de drogas, que mentiu sobre a aquisição do entorpecente em processo envolvendo um traficante. O pedido do advogado foi atendido, e o usuário foi beneficiado por habeas corpus de ofício.

Para os ministros, a conduta da testemunha que mente em juízo para não se incriminar, sem a finalidade especial de causar prejuízo a alguém ou à administração da justiça é atípica. Por isso, não poderia ser típica a do advogado que participa do suposto ilícito.

É o mesmo entendimento que se aplica a alguns “colaboradores” de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). O STJ se alinha ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e garante o direito de silenciar àquele que testemunha perante CPI sob risco de se incriminar. É o que se verificou no HC 165902, no qual se expediu salvo-conduto liminar em favor de empresário que seria ouvido na CPI da Codeplan na condição de testemunha, mas cuja empresa era investigada em inquérito perante o STJ

É também o que ocorre quando o preso em flagrante se identifica à autoridade policial com nome falso. Em julgado do STJ, o réu foi absolvido do crime de falsa identidade por ter se apresentado incorretamente e obtido soltura passageira em razão disso. A Sexta Turma considerou que o ato era decorrente apenas de seu direito à não autoincriminação, e não ofensa à ordem pública (HC 130.309). Essa tese específica está em discussão nos juizados especiais criminais, que tiveram os processos sobre esse tema suspensos pelo STJ  para uniformização de entendimento (Rcl 4.526).

Outra aplicação é impedir que o julgador leve em consideração atitudes similares para fixar, em desfavor do réu, a pena por um crime. No HC 139.535, a Quinta Turma afastou o aumento da pena aplicado por juiz contra condenado por tráfico em razão de ter escondido a droga ao transportá-la.

Entretanto, a situação é diferente quanto às perguntas de um corréu em interrogatório. Nessa hipótese, as duas Turmas penais do STJ divergem. Na Sexta Turma, prevalece o entendimento de que o corréu pode ser submetido a perguntas formuladas por outro acusado. Resguarda, porém, o direito de não as responder. Segundo entende o colegiado, nesses casos se preserva o direito à ampla defesa de ambos os acusados (HC 162.451).

Por outro lado, a Quinta Turma entende que a participação da defesa de outros acusados na formulação de perguntas ao réu coage o interrogado. “Carece de fundamento pretender-se que, no concurso de agentes, o réu devesse ficar submetido ao constrangimento de ter que responder ou até mesmo de ouvir questionamentos dos advogados dos corréus. Admitir-se esta situação, não prevista em lei, seria uma forma de, indiretamente, permitir uma transgressão às garantias individuais de cada réu e até mesmo querer introduzir, entre nós, a indução, através de advogados de correús, da autoacusação”, afirma voto do ministro Felix Fischer (HC 100.792)

Nardoni

O casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá tentou recorrer ao princípio para afastar a acusação por fraude processual no caso do homicídio pelo qual foi condenado. O pedido da defesa sustentava não poder ser autor do crime de fraude processual aquele a quem é imputado o crime que se tenta encobrir – homicídio qualificado, no caso –, já que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se favorável ao pedido. Mas a Quinta Turma do STJ entendeu de forma diversa. Segundo o voto do ministro Napoleão Nunes Maia, o princípio não abrange a possibilidade de os acusados alterarem a cena do crime.

“Uma coisa é o direito a não autoincriminação. O agente de um crime não é obrigado a permanecer no local do delito, a dizer onde está a arma utilizada ou a confessar. Outra, bem diferente, todavia, é alterar a cena do crime, inovando o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, para, criando artificiosamente outra realidade ocular, induzir peritos ou o juiz a erro”, argumentou o relator.

Processo administrativo 

No âmbito administrativo, quando se apura responsabilidades para aplicação de sanções, o servidor também é protegido pelo direito à não autoincriminação. É o que decidiu o STJ no RMS 14.901, que determinou a anulação da demissão de servidor. Entre outras razões, a comissão disciplinar constrangeu o servidor a prestar compromisso de só dizer a verdade nos interrogatórios.

Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do caso, o agir da comissão “feriu de morte essas garantias, uma vez que, na ocasião dos interrogatórios, constrangeu a servidora a falar apenas a verdade, quando, na realidade, deveria ter-lhe avisado do direito de ficar em silêncio”. “Os interrogatórios da servidora investigada, destarte, são nulos e, por isso, não poderiam subsidiar a aplicação da pena de demissão, pois deles não pode advir qualquer efeito”, completou.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A Sentença de Geisy Arruda

Processo Nº 564.01.2009.054718-7
Vistos, etc. Trata-se de ação condenatória ajuizada por GEISY VILA NOVA ARRUDA contra ACADEMIA PAULISTA ANCHIETA S/C LTDA na qual alega a autora, em síntese: durante o ano de 2009 estava regularmente matriculada na UNIBAN, no 1º ano, período noturno do curso de Turismo, ministrado no campus ABC, em São Bernardo do Campo; no dia 22 de outubro de 2009, por volta das 19h5min, chegou na instituição de ensino trajando um vestido curto, tipo “balone”, de mangas e sem decotes; subiu a rampa em direção à sala de aula, situada no 3º pavimento; no percurso ouviu alguns gracejos, o que levou a requerente a terminar o trajeto por meio da escadaria; após o início das aulas foi ao toalete acompanhada de uma colega de classe de nome Paola; como as salas de aula do 3º pavimento têm paredes de vidro, foi avistada por colegas de outras turmas; quando estava no interior do sanitário percebeu um coro de alunos pedindo sua saída, terminando a requerente por deixar o recinto escoltada pelas colegas de classe e pelo Professor Rubens Romero; no percurso do toalete à sala de aula ouviu impropérios dos alunos que se aglomeravam; alguns alunos deitavam-se no chão na tentativa de fotografar as partes íntimas da requerente; após retornar do toalete a situação aparentemente tinha se acalmado até que, no intervalo, por volta de setecentos alunos se aglomeraram na frente da sala de aula, pedindo sua saída; somente três seguranças compareceram no local; em vez de tentar dispersar a turba, os seguranças passaram a admoestar a autora, situação que provocou a reação dos colegas de sala contra os seguranças, causando entrevero no interior da sala de aula; o Coordenador do curso de Turismo, Professor Fábio Marcos Fonseca Boiani, aconselhou a autora a ir para casa, sem, contudo, oferecer-lhe mínimas garantias; os alunos passaram a gritar, esmurrar e chutar a porta de entrada da sala onde se encontrava a requerente, chegando a arrancar a maçaneta da porta, só não conseguindo invadir o recinto em razão do esforço de suas colegas; os alunos do lado de fora, ensandecidos, pediam aos berros que o professor lhes entregasse a requerente; perante tal quadro, Talita, colega da requerente, tomou a iniciativa de telefonar para a Polícia Militar, pedindo socorro; os policiais militares foram conduzidos até o local por outra colega da requerente, uma vez que o corpo de segurança da ré manteve-se omisso; foi retirada do local pela polícia militar, que a protegeu da fúria de seus colegas, os quais a hostilizaram, ofendendo-a moralmente com palavras de baixo calão, filmando com celulares a sua humilhação, obrigando os milicianos a abrir caminho com spray de pimenta, tal a impetuosidade dos agressores.
Prossegue a autora aduzindo que aos 4 de novembro de 2009 prestou depoimento em sindicância aberta pela instituição de ensino, perante Comissão presidida pela assessoria jurídica da Uniban; na ocasião foi acordado o retorno da aluna às aulas, com a promessa de garantia de um mínimo de segurança. Todavia, segundo narrativa da inicial, viu-se a autora surpreendida pela divulgação publicitária (matéria paga), em dois grandes jornais paulistas (O Estado de S. Paulo e Folha de São Paulo) e também em horário nobre da TV Record (em rede nacional), de sua expulsão, sob alegação, entre outras, de desrespeito à moralidade e à dignidade acadêmica. Alega a requerente que houve falha na prestação de serviço, que culminou com a violação de direitos personalíssimos da consumidora, que sofreu, além de agressões verbais de toda sorte, sérios riscos à sua incolumidade física.
Após transcrever trechos de artigos jornalísticos e invocar os artigos 8º e 14º do Código de Defesa do Consumidor, artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal e artigos 186, 932 e 933 do Código Civil, pugna a requerente pela condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, em valor não inferior a um milhão de reais. Juntou documentos de fls.61/172. ACADEMIA PAULISTA ANCHIETA S/C LTDA (UNIBAN) apresentou contestação a fls.215/265 alegando que não causou qualquer dano à autora, esta, sim, causou danos à ré. Prossegue dizendo presumir que a autora teria arquitetado e executado um plano para adquirir notoriedade e conseguir as vantagens dela decorrentes, citando, por exemplo, as exibições da requerente em programas de televisão e desfiles em escolas de samba. Tece considerações sobre a personalidade exibicionista da requerente, a qual teria provocado intencionalmente seus colegas, porquanto ao invés de ir ao banheiro, foi até a sala do curso de Biologia, durante o horário de aula, para contentar um aluno que queria vê-la. Acrescenta que até um determinado momento, apesar da provocação e do exibicionismo da autora, a reações eram mínimas, prosseguindo a aula ministrada pelo Professor Rubens Soares; somente mais tarde, mediante o ajuntamento de alunos fora da sala de aula da autora, compareceram ao local o coordenador Fábio Boiani e mais três seguranças; o coordenador ofertou três seguranças para escoltar a requerente até a saída da universidade, o que foi recusado pela aluna. Em seguida, prossegue a ré, houve um tumulto dentro da sala de aula, provocado por Talita (colega da autora) e seu irmão, que teria investido contra um dos seguranças, tentando agredi-lo, situação que aumentou a agitação dos alunos que se encontravam do lado de fora; quando chegou a Polícia Militar, cuja presença era desnecessária, segundo a ótica da ré, a reação foi mais ruidosa, ainda, principalmente, pela Policial Militar feminina ter utilizado spray de pimenta; somente a partir desses fatos é que os alunos começaram a gritar palavras de baixo calão, voltadas contra os agressores.
Prossegue a requerida reiterando a considerações sobre a personalidade da autora, a qual deveria ter previsto que seu comportamento iria causar as reações dos alunos. Diz que a ré não agiu com culpa e que não há falar-se em responsabilidade objetiva, nem de aplicação do Código de Defesa do Consumidor; quem agiu culposamente e, até presumidamente com dolo, foi a autora, afirmando, todavia, que talvez a única culpa da instituição de ensino tenha sido a de permitir que acontecessem os fatos acima narrados, os quais, uma vez expostos na mídia, somente trouxeram benefícios à autora. Afirma que a requerente não sofreu danos psíquicos e que, muito ao contrário, só teve alegrias, satisfação de seus desejos e ambição de transformar-se em celebridade, transcrevendo doutrina sobre dano moral e discorrendo sobre os elementos necessários à configuração da responsabilidade civil; alega que a culpa exclusiva da vítima exclui o nexo de causalidade. Arrola jurisprudência sobre dano moral e ataca o valor da indenização pedida pela autora, por excessivo, pugnando pela total improcedência da ação. Juntou documentos de fls.266/314. Manifestações das partes e juntada de documentos a fls.324/369. Réplica a fls.391/399. Designada audiência de instrução (fls.364, 380), foram colhidos os depoimentos da autora (fls.470/496) e de nove testemunhas (fls.497/689), concedendo-se às partes oportunidade para apresentação de alegações finais (fls.426, 694/710, 712/790).
É O RELATÓRIO. DECIDO. Apesar das longas razões expostas pelas peças que protagonizam o processo a questão, em última análise, resume-se a descobrir, a partir do conjunto probatório, a existência dos elementos necessários à configuração da responsabilidade civil da ré. De início, cumpre ressaltar que, ao contrário do que entende a ré, aplica-se ao caso sub judice a responsabilidade objetiva. E isto porque os fatos encontram-se sob a égide da legislação especial, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor. Os artigos 2º e 3º da Lei 8.078/90 definem os conceitos de consumidor e fornecedor os quais, em seu largo espectro, abrangem, sem dúvida, os alunos e os respectivos estabelecimentos de ensino. E a responsabilidade do fornecedor de serviço é descrita no artigo 14 da Lei 8.078/90: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” Não fosse a clareza dos dispositivos legais, SÍLVIO DE SALVO VENOSA, ao discorrer sobre a responsabilidade dos estabelecimentos de educação, ensina: “A responsabilidade dos estabelecimentos de educação está fixada de forma não muito clara no mesmo dispositivo que cuida dos donos de hotéis (art. 932, IV, do Código Civil). “omissis.......Enquanto o aluno se encontra no estabelecimento de ensino e sob sua responsabilidade, este é responsável não somente pela incolumidade física do educando, como, também, pelos atos ilícitos praticados por este a terceiros. Há um dever de vigilância e incolumidade inerente ao estabelecimento de educação que, modernamente, decorre da responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor. O aluno é consumidor do fornecedor de serviços, que é a instituição educacional. Se o agente sofre prejuízo físico ou moral decorrente da atividade no interior do estabelecimento ou em razão dele, este é responsável” (Direito Civil - Responsabilidade Civil - Vol.IV, 3ª ed. Atlas - 2003, pg.71).
No mesmo sentido CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY, comentando o inciso IV do artigo 932 do Código Civil: “Já no que concerne aos educadores, e também aqui ressalvada a incidência da legislação do consumidor, há que ver que a respectiva responsabilidade deve restringir-se ao período em que o educando está sob o poder de direção do estabelecimento, ainda que em atividade de recreação. Omissis....Se o educando é maior, assim particularmente nos casos de instituição universitária, tem-se entendido inexistir dever de vigilância e, portanto, responsabilidade sem culpa, o que, entende-se, deve ser recompreendido à luz da Lei nº 8078/90, que estabelece, sem essa distinção, a responsabilidade sem culpa do fornecedor de serviço.”(Autor cit., Código Civil Comentado - Coordenador Ministro CEZAR PELUSO, 4ª Edição, 2010, Editora Manole, pg.930, grifei).
Os elementos de convicção coligidos revelam que a autora, no dia 22 de outubro de 2009, chegou aproximadamente às 19h50min para assistir aulas do curso de turismo, trajando vestido cor de rosa curto, de mangas e sem decotes. Logo após passar as catracas ouviu alguns assovios e gracejos. A aluna subiu uma rampa em direção à sua sala, localizada no 3º pavimento, quando, no 2º piso, percebendo que os gracejos estavam um tanto exagerados, resolveu subir ao último pavimento pelas escadas, para chegar à sala de aula (fls.471). A aula da autora seria ministrada pelo Professor Rubens Fernando Romero Soares (fls.547/585), que se deparou com a aluna “encostada num beiral, numa mureta e olhando para baixo e para outros lugares, estava em frente à porta da sala, fora da sala encostada num mural, num muro” (fls.548). O Professor Rubens conduziu a autora para o interior da sala de aula: “pedi duas vezes e aí, enfim, como não me foi atendido, aí eu de longe com a ponta dos dedos, me lembro claramente, encostei no cotovelo e bem de longe a conduzi para dentro da sala...refleti um pouquinho e pedi para que ela por favor não saísse mais da sala” (fls.549). O professor pediu à aluna que permanecesse no interior da sala de aula “porque haviam alunos que assobiavam, gritando no andar de baixo, olhando para ela, enfim...eu fiquei preocupado, pedi para que ela fosse assistir a aula, que não saísse mais para preservá-la” (fls.550).
Ocorre que a aluna, após o início da aula, retirou-se da sala para ir ao toalete, acompanhada pela testemunha Paola Cristina Fernandes (fls.497/530). No caminho a requerente e Paola foram abordadas pela testemunha Jaqueline Lúcio Lopes (fls.648/660), dizendo que alguns colegas do curso de biologia gostariam de conhecer a autora: “cheguei atrasada nesse dia, a hora que eu cheguei na faculdade, o pessoal da sala ligou e falou que tinha uma moça muito bonita, e com uma roupa curta....Aí neste momento, a curiosidade mata, a gente foi para ver a moça bonita....no que a gente deu a volta para ir até a sala dela, ela não estava na sala, aí a gente foi para o banheiro que fica no meio do bloco, foi quando a gente viu que ela estava lá....No que ela saiu do banheiro, aí eu falei: “Não adianta vocês olharem, tem que conhecer a moça, quem sabe a moça não se interessa por vocês”, aí eu fui com minha amiga atrás dela e perguntei se ela poderia conhecer os meus amigos...ela respondeu que sim...ela foi comigo até a porta da sala que eu estudo” (Jaqueline Lúcio Lopes, fls.649/650). As testemunhas Pedro Túlio de Rezende Lara (fls.661/677) e Michel Jorge de Vasconcelos Santos (fls.678/689) receberam os cumprimentos da autora, que entrou na sala do curso de biologia e se despediu dos colegas curiosos com os dizeres: “Tchau, estudem rapazes” (fls.651). A requerente prosseguiu o seu trajeto até o banheiro, o que chamou a atenção de outros alunos que estavam em aula, pois as salas têm “paredes de vidro”, como se fosse um “aquário”: “Porque como a sala tem um vidro, conforme ela foi passando as pessoas foram vendo que ela estava passando de novo, de novo assim passando pelas salas e começaram a sair de dentro das salas para ver ela de novo, foi o que começou a bagunça, né” (Paola Cristina Fernandes, fls.501).
Após a requerente entrar no banheiro, formou-se uma aglomeração de alunos na porta do toalete, gerando um primeiro episódio de tumulto. A testemunha Paola Cristina Fernandes (fls.497/530) foi até o banheiro verificar o que ocorria: “...falei para a Geisy: “vamos sair, tem muita gente, mas vamos dar um jeito de sair”. Ela falou que não queria porque estava com medo e foi quando uma outra aluna da nossa sala saiu e viu que o professor Rubens estava na porta do banheiro” (fls.504). A situação não passou despercebida pelo Professor Rubens Fernando Romero Soares (fls.547/585): “Eram três alunas da minha turma, no meu horário de aula no banheiro e havia muita gente, aí eu fiquei preocupado, pedi para que as pessoas permanecessem, os demais alunos não saíssem da sala, foi muito rápido, olhei no corredor para ver se achava segurança mas eu não conseguia ver, porque fiquei nervoso, aí corri para o banheiro” (fls.551). A requerente teve que deixar o toalete, em direção à sala de aula, “escoltada” pelas colegas de turma (fls.505) e pelo Professor Rubens:“...o professor viu que formou aquele tumulto na porta do banheiro. Ele, por medo de acontecer algo com ela ou com as outras meninas.......ficou com medo, foi lá e chamou ela, não chegou a entrar porque é banheiro feminino. E chamou, pediu para ela sair, no que ele chamou ela foi junto com a amiga e saiu, no que ela saiu a multidão abriu e ela passou”. Os alunos diziam em coro “Gostosa”. “Sai gostosa”, que a maioria eram rapazes que estavam lá na porta né” (Jaqueline Lúcio Lopes – fls.652). Os seguranças somente apareceram para dispersar os alunos depois que a autora, o Professor Rubens e Paola já se encontravam dentro da sala (fls.505/506). O coordenador Fábio Marcos Fonseca Boiani (fls.609/629) foi informado por um colega “que tinha uma aluna em trajes curtos, que tinha causado aquele alvoroço....eu vi nesse momento, um monte de alunos fora da sala e o professor na porta do banheiro feminino e a aluna Geisy saindo e o professor na frente, se dirigindo até a sala de aula...eu pedi para um outro funcionário da Uniban...chamar os seguranças, disse que já tinha chamado, fiquei na porta da sala esperando os seguranças chegarem...quando os seguranças chegaram eu entrei na sala e me dirigi até a aluna né...os seguranças estavam lá fora e estavam dispersando os alunos”.
O Coordenador forneceu um jaleco para a autora vestir e combinou que ao término das aulas “os seguranças iriam acompanhá-la até o carro, para sair em segurança” (fls.614). Ocorre que durante o intervalo das aulas um número muito grande de alunos tornou a reunir-se na entrada da sala de aula da autora e nos corredores contíguos, causando enorme tumulto, pedindo aos berros que o professor “liberasse a loira” para eles, batendo nos vidros da sala, desferindo murros e chutes na porta, em verdadeira cena de vandalismo: “os alunos retornaram de forma assustadora, “um misto de brincadeira com agressividade”. “Pareciam que estavam num campo de futebol”. Os alunos gritavam “libera a loira professor”. Também havia muitas mulheres. Havia centenas de pessoas no local e o depoente não conseguia ver os seguranças, não conseguia enxergar nada....O depoente fechou a porta, mas alunos começaram a chutá-la” (depoimento do Professor Rubens Fernando Romero Soares colhido pela autoridade policial e ratificado em Juízo – fls.125, 556/558). O Professor Rubens postou-se na porta da sala escorando-a na intenção de evitar uma invasão, terminando por levar um chute no joelho. Um violento golpe desferido na porta arrancou a maçaneta, que atingiu o corpo do professor: “Sim, eles chutaram, como eu relatei no depoimento, uma vez na porta, tentei ir pra falar com eles, eles chutavam a porta, talvez para tentar abri-la, na segunda vez acertou no meu joelho, eu entrei, encostei, segurei a porta, fiquei assustado..........quando chutaram a porta e eu entrei, alguém deve ter chutado a maçaneta pelo lado de fora, ela desprendeu, me atingiu, e eu passei mal, tive vontade de vomitar, aí os alunos ficaram assustados........A Talita estava muito emocionada, eu lembro de ver a Geisy chorando também, isto é verdade” (Rubens Fernando Romero Soares - fls.557/558) Tal cena, mais condizente com um conflito entre torcidas de futebol, naturalmente, assustou todos os alunos (a grande maioria alunas) que se encontravam acuados dentro da sala. É claro que a autora estava tão assustada que começou a chorar e o Professor Rubens, devido ao ocorrido, ficou com a saúde (sistema nervoso) fortemente abalada, sendo obrigado a submeter-se a terapia medicamentosa: “...depois do depoimento, eu fiquei muito doente. Eu consegui terminar o semestre, mas eu estou afastado, eu pedi uma licença, eu não consegui. O depoimento me reavivou o que aconteceu no dia.....pelo fato de ter feito com que eu lembrasse isto tudo piorou a minha saúde, que foi piorando com o passar do tempo..“ (.....) ”...eu fiquei emocionalmente abalado, tive que tomar durante um tempo, tomar remédio para dormir, cheguei a solicitar antidepressivo e tomar também durante um tempo, aí começou a me fazer mal, mudei a medicação e emagreci muito” (Rubens Fernando Romero Soares, fls.562/563, 568/569).
No calor de todo o cenário descrito, ficou claro que, apesar de apelos insistentes não só do professor como de outros alunos, os seguranças da ré não compareceram a tempo de evitar as agressões acima descritas, o que obrigou uma colega da autora, de nome Talita, a chamar a Polícia Militar, por meio de um celular:“começaram a chegar mais alunos e naquele momento, eu não consegui enxergar os seguranças, por isto que eu peguei meu celular e comecei a ligar para a sala da coordenação, para pedir que eles subissem” (Rubens Fernando Romero Soares – fls.573); “...foi aí que o professor pediu pra chamar os seguranças. Desceu cerca de três alunas, desceu umas três vezes pra chamar os seguranças, mas eles não subiam e a situação estava ficando insustentável, foi aí que uma aluna da sala, a Talita decidiu chamar a polícia para tentar controlar os alunos, porque os seguranças não estavam dando conta, até porque eram quatro seguranças para este monte de gente, já devia ter cerca de setecentas pessoas lá” (Paola Cristina Fernandes – fls.509). Os seguranças demoraram a aparecer e, quando chegaram na sala da autora, ao invés de acalmar os ânimos, pioraram a situação. O Coordenador de segurança Airton de Campos (fls.586/606) relatou que um dos seguranças mandou a aluna Talita, (que estava muito nervosa com a situação) calar a boca, o que provocou a reação do irmão de Talita. Airton impediu que o segurança e o irmão de Talita se agredissem no interior da sala da autora (fls.591).
Foi do Professor Rubens a iniciativa de acalmar a aluna, ao invés de simplesmente mandar que ela “calasse a boca”:“...houve alguma discussão, enfim, nesse meio tempo....quando me virei vi que Talita estava chorando muito, discutindo com o segurança, o que eu fiz, eu voltei para o centro da sala abracei a Talita e a conduzi para outra direção, fora do segurança” (Rubens Fernando Romero Soares – fls.560). A prova testemunhal evidenciou que a amiga da aluna foi obrigada a chamar a Polícia Militar em razão da total ausência de seguranças no princípio do tumulto, inobstante a orientação do coordenador Fábio Marcos Fonseca Boiani: “pedi para o segurança ficar de olho” (fls.614). A quantidade de seguranças também era exígua. O coordenador Airton de Campos (fls.586/606) confirmou o que a testemunha Eduardo Giacon (fls.531/546) dissera: o coordenador impediu que todos os seguranças se dirigissem ao local, tendo como justificativa a necessidade de vigilância da catraca e outros postos, “não é qualquer coisa que a gente vai correndo desguarnecer um posto” (fls.593/594, 600). O então segurança Eduardo Giacon, atendendo o chamado de apoio do segurança Peres, pretendia se deslocar para a sala de aula da autora, mas foi impedido: “recebemos um comunicado do coordenador de segurança no dia, que não era para subir, aí então eu o interpelei junto à catraca, porque não era para subir, ele falou: “Ela que arranjou, ela que se dane” (fls.533). Seguindo a ordem dos acontecimentos, narram as testemunhas que quando os policiais militares chegaram à porta da Universidade, em um primeiro momento os seguranças dificultaram a entrada dos milicianos e não se prestaram a levá-los ao local dos acontecimentos, o que foi feito por Paola e outras alunas (fls.510/511).
Chegando ao local os policiais militares entraram na sala de aula e resolveram escoltar a autora para fora, protegendo-a da turba. Nesse momento os alunos se enfureceram e passaram a gritar palavrões em coro “puta”, “pistoleira”, obrigando os policiais a abrir caminho com “gás pimenta”, o que causou maior furor entre os universitários, que passaram a dirigir impropérios também contra os policiais (fls.511/512, 534, 574/575, 595, 639, 656). A polícia conseguiu retirar Geisy da Universidade e levá-la para sua residência. A explicação apresentada pelo coordenador de segurança na tentativa de justificar o comportamento dos alunos é no mínimo curiosa: “Isto irritou os alunos, o que fez com que eles se revoltassem, em virtude da Geizy mostrar uma postura e depois se esconder atrás dos policiais, querendo ou não machucam os alunos né” (fls.596). Ora, não se confunda ambiente liberal, com libertário. Esclareceu, ainda, o coordenador de segurança da Uniban, que nenhum professor, funcionário ou aluno da instituição de ensino, tinha reclamado do comportamento da autora (fls.596/597). Do conjunto probatório existente nos autos exsurge, claramente, que a autora certamente agiu de forma não recomendável, mas compreensível, pois, tanto homens quanto mulheres estão sujeitos ao cometimento do pecadilho da vaidade.
A grande maioria dos seres humanos possui, por pouco que seja, um laivo de vaidade, por seus dotes, sejam físicos, sejam intelectuais. Por sua vez, a tese defendida pela ré, de que a autora agiu premeditadamente, para tirar proveito, tornando-se celebridade, é desassistida de um mínimo de razoabilidade. Somente um indivíduo que beire à insanidade engendraria tal plano. Certamente não é o caso da autora. E isto pode-se concluir do conteúdo dos depoimentos acima resumidos, pois, é inegável que a requerente foi humilhada e ficou amedrontada pela reação inesperada, violenta e descabida, de alunos universitários. Cabe, agora, indagar se a atitude, como já se disse, não recomendável da autora, chega a configurar a excludente legal que interrompe o nexo causal, qual seja, a culpa exclusiva da vítima (artigo 14, §3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor). Inadmissível a reação dos alunos, principalmente nos lamentáveis episódios da tentativa de invasão da sala de aula, da agressão ao professor que, com sacrifício de sua integridade física e emocional, conseguiu evitar que verdadeiros atos de barbárie se aperfeiçoassem. Por outro lado, devido à omissão do insuficiente e despreparado corpo de seguranças da ré, assim como de seus prepostos mais graduados, as alunas, assustadas e temerosas, foram obrigadas, por meio de Talita, a acionar a Polícia Militar. Aqui mais uma reação totalmente incompatível com um ambiente universitário: o furor de que foi tomada a multidão de alunos, com a necessária intervenção da Polícia Militar que, não teve alternativa, senão da utilização de gás pimenta, para poder retirar a autora da sala e conduzi-la em segurança, para fora das dependências da ré. Induvidosamente não se pode concluir pela existência da culpa exclusiva da consumidora, a ponto de interromper o nexo de causalidade e afastar a responsabilidade da instituição de ensino pela falha na prestação do serviço.
A própria Uniban entendeu que o comportamento da autora não foi grave, porquanto revogou a expulsão da aluna (fls.71/72). Mesmo que se admitisse que a autora agiu com parcela de culpa, entendimento que não é adotado pelo Juízo, ainda assim “Só se admite como causa exonerativa da responsabilidade, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não a culpa concorrente......omissis......Assim, mesmo havendo culpa concorrente da vítima, persiste a obrigação do fornecedor de indenizá-la por inteiro.” (CARLOS ROBERTO GONÇALVES, Comentários ao Código Civil, Vol.II, 2.003, Saraiva, pg.227). Não fosse a responsabilidade objetiva, ainda assim, a culpa da ré ficou comprovada de forma indiscutível. Portanto, seja qual for o ângulo pelo qual se examine o presente litígio, persiste a responsabilidade da requerida pelos fatos acima narrados, como também pela ampla divulgação da expulsão da autora, fato este que, por si só, já ensejaria reparação. A questão relativa à divulgação da expulsão da autora, por meio de matéria paga (fls.71/72), não foi contestada pela ré. A requerida deu publicidade às razões que levaram à expulsão da requerente: “flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade”.
Não fossem as situações angustiantes e aflitivas enfrentadas no interior da instituição de ensino, a requerida ainda qualificou a autora de perturbadora da ética, dignidade e moralidade e, pior, divulgou os motivos da expulsão em jornais de grande circulação. A “nota de expulsão” divulgada pela Uniban após o evento ocorrido no campus ABC desqualificou a aluna, atribuindo predicados que incidem na esfera de reprovação ético-social, fazendo aflorar o dano moral indenizável. O pedido da requerente, no que tange ao montante da indenização, é exagerado, uma vez que refoge dos princípios que devem nortear a fixação das indenizações por dano moral, em que pese o respeitável entendimento dos ilustres patronos.
“Em lugar de dizer, como é comum, que o juiz impõe uma punição, seria mais verdadeiro dizer que é incapaz de indenizar plenamente a pessoa. Não pretendemos, aliás, que a indenização fundada na dor moral seja sem limite. A reparação pecuniária será sempre, sem nenhuma dúvida, inferior ao prejuízo experimentado, mas, de outra parte, quem atribuísse demasiada importância a esta reparação de ordem inferior se mostraria mais preocupado com a idéia do lucro do que mesmo com a injúria às suas afeições; pareceria especular sobre sua dor e seria evidentemente chocante a condenação cuja cifra favorecesse tal coisa” (JOSÉ DE AGUIAR DIAS transcrevendo doutrina de Lacoste in Da Responsabilidade Civil, 10ª edição, Ed. Forense, 1997, pag.740, nota 63).
A aplicação irrestrita da “teoria do valor do desestímulo”, centrada na intenção punitiva ao causador do dano, encontra óbice no ordenamento jurídico pátrio, que antes do Código Civil de 2.002 tinha como princípio informador a vedação do enriquecimento sem causa, agora prescrita textualmente no artigo 884 do Novo Código Civil. O critério que vem sendo utilizado pela jurisprudência na fixação das indenizações por danos morais considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento o julgador à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, servindo ao mesmo tempo para desestimular o ofensor a repetir o ilícito.
Levando-se em conta esses parâmetros, afigura-se razoável a importância de R$40.000,00 (quarenta mil reais), quantia suficiente para compensar a violação sofrida pela autora, sem comprometer a saúde financeira da empresa ré. O valor da indenização será corrigido a partir da data do arbitramento, em consonância com o disposto na Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”. Finalmente, anote-se que a estimativa do valor do dano moral, na petição inicial, não gera sucumbência recíproca, na hipótese de indenização em valor inferior (“Tanto a 3ª Turma – RESP n.112.561 – quanto a 4ª Turma – RESP n.113.398, RESP n.141.354 – têm entendido que, sendo estimativo o quantum pedido a título de indenização, o deferimento de valor inferior não caracterizaria a sucumbência recíproca” – AI n. 163.571-MG, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 35-E:71, de 23/02/99).
Posto isto, julgo PROCEDENTE a presente ação, e o faço para condenar a ACADEMIA PAULISTA ANCHIETA S/C LTDA a pagar a GEISY VILA NOVA ARRUDA a importância de R$40.000,00 (quarenta mil reais), incidentes correção monetária (Tabela TJSP) a partir da data do arbitramento e juros de mora de 01% ao mês a partir da citação. Arcará a vencida com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% da condenação.
P.R.I. São Bernardo do Campo, 29 de setembro de 2.010.
RODRIGO GORGA CAMPOS
JUIZ DE DIREITO