segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012


Liberdade de expressão prevalece sobre inviolabilidade da vida privada
O desembargador Estácio Luiz Gama de Lima, em decisão monocrática, negou seguimento ao recurso impetrado por um delegado da Polícia Civil de AL contra um blogueiro. O delegado exigia que o blogueiro ficasse proibido de publicar reportagens ou manifestar opiniões, de forma direta ou indireta, que envolvessem a sua pessoa.
Para o relator do processo, diante de conflito entre liberdade de expressão versus inviolabilidade da vida privada e direito de imagem, deve prevalecer a liberdade de informação dos meios de comunicação, notadamente porque o autor é integrante da segurança pública. Com isso, fica justificada a veiculação de notícias de interesse público, mesmo sem o consentimento da parte.
  • Processo : 2012.000793-9
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DECISÃO MONOCRÁTICA/OFÍCIO 2ª CC Nº ____/2012
Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto por O.A.O. em face da decisão proferida pelo Juiz de Direito da 9ª Vara Cível da Capital, que, nos autos da Ação n° 0043171-90.2011.8.02.0001, indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela para determinar que o agravado se abstenha de publicar reportagens ou manifestar opiniões, de forma direta ou indireta, que envolvam a sua pessoa.
Em suas razões, o agravante sustentou que as menções feitas pelo agravado em seus blogs ultrapassariam os limites da razoabilidade, porquanto a liberdade de pensamento e de informação não pode servir de blindagem para a prática de ofensas à sua imagem e à sua honra. Com a inicial vieram os documentos constantes às fls. 16/71.
É, em síntese, o relatório.
Passo a decidir.
O presente recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual dele conheço e passo a analisá-lo.
Antes, contudo, cumpre-me ressaltar que o Relator, ao receber o Agravo de Instrumento, pode negar liminarmente o seu seguimento (art. 557 do CPC), convertê-lo em agravo retido (art. 527, II, do CPC), atribuir-lhe efeito suspensivo (art. 527, III, do CPC) ou, ainda, dar a ele provimento monocrático (art. 557, §1º-A, do CPC).
Na presente situação, tenho que seja o caso de lhe negar seguimento, a teor do disposto no caput do artigo 557 do CPC, o que faço fundado nas razões que passarei a expor.
Em análise dos autos, observo que O.A.O. propôs uma Ação de Indenização por Danos Morais em face de R.V., sustentando que o réu, ora agravado, veiculou em seu blog matérias cujo conteúdo seria ofensivo à sua honra e imagem, notadamente por ele ser um agente público, ocupante do cargo de Delegado da Polícia Civil do Estado de Alagoas.
Naquele instante, o autor, ora agravante, formulou pedido de antecipação dos efeitos da tutela a fim de que fosse expedida uma ordem para que o réu, ora agravado, fosse impedido de publicar reportagens ou manifestar opiniões, de forma direta ou indireta, que envolvam a sua pessoa.
Ao se deparar com tal situação, o magistrado de primeiro grau entendeu que não estavam presentes os requisitos necessários à concessão daquela medida, haja vista que, segundo ele, o conteúdo das matérias veiculadas na internet não extrapolou os limites da razoabilidade, bem como que qualquer provimento nesse sentido implicaria vedação à liberdade de pensamento.
Posta nesses termos, tenho que a situação aqui versada não comporta desfecho diverso.
Como se sabe, o instituto da tutela antecipada, encartado no artigo 273 do Código de Processo Civil, é o mecanismo criado pelo legislador pátrio e posto à disposição do jurisdicionado para se efetivar, de modo célere e eficaz, a proteção dos direitos que se encontram na iminência de ser violados, cuja concessão está adstrita à demonstração da plausibilidade do direito substancial invocado pela parte e à verossimilhança do que foi suscitado, bem como à comprovação de que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
A sua análise incumbe ao magistrado, que, com a prudência necessária ao desempenho de sua atividade, deverá observar o preenchimento de seus requisitos, com a atenção para a real ocorrência da gravidade e da extensão do prejuízo alegado pela parte, e a existência da verossimilhança do direito por ela deduzido.
Aliás, outro não é o entendimento preconizado pelo Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO RESCISÓRIA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE PREENCHIDOS OS REQUISITOS ENSEJADORES DO PROVIMENTO DE URGÊNCIA. NO CASO, TODAVIA, OS PRESSUPOSTOS À TUTELA REQUERIDA NÃO SE ENCONTRAM PRESENTES EM SUA INTEGRALIDADE, PORQUANTO NÃO CONFIGURADA A VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES FIRMADAS PELA PARTE AUTORA.
1. (...).
2. A concessão da tutela de urgência, entretanto, está condicionada ao cumprimento dos requisitos preconizados no art. 273 da legislação processual civil, isto é, existência de prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, principalmente em sede de ação rescisória, tendo em vista o caráter de exceção de que tal medida se reveste.
3. (...).
4. (...).
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg na AR 4.092/PB, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 26/05/2010, DJe 17/06/2010)
Com efeito, voltando-me para a situação versada nos autos, a despeito dos argumentos colacionados pelo agravante, tenho por incensurável a decisão prolatada em primeiro grau, haja vista que não se encontram satisfeitos os requisitos ensejadores da tutela requerida.
Isso porque, diante de um conflito aparente de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos (liberdade de informação versus inviolabilidade da vida privada e direito de imagem), deve o julgador se valer do princípio da proporcionalidade para identificar qual deles deve prevalecer no caso concreto.
Aliás, outro não é o entendimento extraído das lições de Luiz Guilherme Marinoni, in verbis:
O princípio da probabilidade, no caso de colisão de direitos fundamentais, não pode desconsiderar a necessidade de ponderação do valor jurídico dos bens em confronto, pois, embora o direito do autor deva ser provável, o valor jurídico dos bens em jogo é elemento de grande importância para o juiz decidir se antecipa a tutela.
No juízo de cognição sumária o juiz ainda não sabe se o direito afirmado existe, embora possa saber que ele, por ser verossímil, merece tutela imediata em razão do periculum in mora. Há casos, porém, em que existem dois direitos fundamentais em colisão, e assim apenas as particularidades do caso concreto podem determinar qual deles deve prevalecer. Embora a solução da colisão entre direitos fundamentais deva necessariamente se dar na sentença, quando da tutela final, é evidente que a necessidade de antecipação da tutela obriga o juiz a ponderar entre os direitos com os olhos nas circunstâncias presentes no curso do processo e, assim, através de uma cognição sumária. Isto quer dizer que, diante de dois direitos fundamentais em colisão, o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado na sentença e na decisão que trata da tutela antecipatória.
(Antecipação da Tutela. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006, pp. 254/255)
Certamente, nenhum dos direitos fundamentais elencados no rol do artigo 5º da Constituição Federal, ou esparsos ao longo de seu texto, é absoluto, não sendo diferente com a liberdade de expressão. Contudo, utilizando da técnica de resolução de conflitos anteriormente mencionada, tenho que a concessão da medida aqui pleiteada implicaria privação da coletividade do direito de informação.
Deve prevalecer, na espécie, a liberdade de informação dos meios de comunicação, prevista nos artigos 5º, IX e 220, §§1º e 2º da Constituição Federal, notadamente porque o autor, ora agravante, é pessoa pública, integrante dos quadros da segurança pública do Estado de Alagoas e, em tais hipóteses, resta justificada a veiculação de notícias de interesse público, mesmo sem o consentimento da parte, sobretudo porque o conteúdo tido por afrontoso não ultrapassou os limites da razoabilidade, como bem dito pelo magistrado de primeiro grau.
Não destoa desse entendimento o entendimento perfilhado por Sergio Cavalieri Filho:
(...) Costuma-se ressalvar, no tocante à inviolabilidade da intimidade, a pessoa dotada de notoriedade, principalmente quando exerce vida pública. Fala-se, então, nos chamados "direito à informação e direito à história", a título de justificar a revelação de fatos de interesse público, independentemente de anuência da pessoa envolvida. Entende-se que, nesse caso, existe redução espontânea dos limites da privacidade (como ocorre com os políticos, atletas, artistas e outros que se mantêm em contato com o público). (...) E assim é, segundo essa mesma doutrina, porque a vida dessas pessoas compreende um aspecto voltado para o exterior e outro voltado para o interior. A vida exterior, que envolve a pessoa nas relações sociais e nas atividades públicas, pode ser objeto das pesquisas e das divulgações de terceiros, porque é pública. (Programa de Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 104)
Além do mais, cumpre salientar que a Constituição Federal de 1988, do mesmo modo que garante o direito à livre expressão da comunicação, independentemente de censura ou licença (inciso IX do artigo 5º), sem nenhuma restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, sob qualquer forma (artigo 220), também assegurou o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação à honra e à imagem das pessoas (inciso X do artigo 5º), de que porventura seja vítima o cidadão.
Assim, uma vez não comprovado o preenchimento dos requisitos necessários à antecipação dos efeitos da tutela, resta autorizado o julgamento monocrático do presente feito, consoante possibilita a legislação processual cível, pois a decisão proferida pelo magistrado a quo se encontra em consonância com o entendimento aplicado à matéria por aquela Corte Superior, enquanto a tese deduzida no presente recurso se encontra dissociada daqueles termos.
Ante o exposto, com fulcro no caput do artigo 557 do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO ao presente Agravo de Instrumento, dada a sua manifesta inadmissibilidade, revelada que foi pela impropriedade da tese jurídica aqui deduzida.
Oficie-se o Juiz de Direito da 9ª Vara Cível da Capital, COM A MÁXIMA URGÊNCIA, dando-lhe ciência do inteiro teor desta decisão.
Utilize-se esta decisão como ofício/mandado. Uma vez escoado o prazo recursal, certifique a senhora Secretária o ocorrido e, após, proceda ao arquivamento destes autos, com as cautelas recomendadas à espécie.
Publique-se, intimem-se e cumpra-se.
Maceió, 6 de fevereiro de 2012
ESTÁCIO LUIZ GAMA DE LIMA
Desembargador Relator

ABC do CDC nº 49


O abuso do corte de água feito pelo condomínio contra o condômino inadimplente


Por conta de uma entrevista que dei recentemente1, acabei descobrindo algo que me deixou estarrecido: só na cidade de São Paulo, dezenas de condomínios estão cortando a água de condôminos que atrasam o pagamento das despesas condominiais. E o fazem com a desculpa de que o tema foi decidido em "assembleia de condôminos". Muito embora o assunto não envolva Direito do Consumidor, vou aqui abordá-lo porque indiretamente tem com ele relação. Vejamos os pontos.

Como é sabido, não há relação de consumo entre o condômino e o condomínio no que respeita a cobrança e pagamento das despesas de condomínio, de modo que as regras do CDC não incidem na relação jurídica existente. No entanto, também como é de conhecimento geral dos operadores do Direito, quando o intérprete descobre a existência de lacunas no ordenamento jurídico no que diz respeito a certo caso examinado, ele pode e até deve preencher a ausência encontrada pelo método da integração. Isso pode ser feito lançando-se mão da analogia e dos princípios gerais do Direito2.

Ora, na hipótese que envolve os métodos de cobrança utilizados pelos condomínios e seus administradores, há uma lacuna – isto é, não há lei que a regule. Logo, deve-se procurar no sistema jurídico uma norma que se aplique a fato ou comportamento semelhante. Para a hipótese, sem nenhuma dificuldade, colmata-se a lacuna utilizando-se a analogia pela norma mais próxima e adequada do sistema que é a do "caput" do art. 42 do CDC. E esta é clara na proibição dos abusos. Leia-se:

"Art. 42.. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça".

É importante que não percamos de vista, para o exame do presente assunto, o elemento histórico e que serve de modelo educacional no envolver de cobrança de dívidas. Quando a lei 8.078/90 foi editada, isso significou um marco histórico civilizacional no Brasil em muitos dos fatos que ali foram regulados, certas práticas abolidas e proibidas, etc. Uma das novidades incrementadas foi exatamente a do impedimento dos abusos nas cobranças. Com o advento do CDC, o devedor voltou a receber o respeito que merecia e merece como cidadão, que tem logo no início da Carta Magna a garantia de que sua dignidade não pode ser ultrajada. A sociedade passou a perceber que o devedor é aquele que, por uma série de motivos, não consegue pagar sua dívida. E que não pagar sua dívida civil ou comercial não é crime: a lei quis expungir da sociedade o estigma de mau pagador gravado, injustamente, em muitas pessoas (Eu sei, claro – como todos sabem – que há maus pagadores e que deixam de pagar suas dívidas de má-fé. Mas, é certamente a minoria; a lei quis proteger a maioria).

Num regime capitalista consumista ao extremo como o nosso, em que o sistema de marketing, de forma incessante, induz o consumidor a adquirir produtos e serviços o tempo todo e com uma larga oferta de crédito e formas de pagamento, ninguém está livre de mais cedo ou mais tarde ficar em dificuldades para pagar suas contas. E, ser devedor, aliás, não coloca o consumidor à margem do sistema, pois os instrumentos de cobrança são vários, legítimos e bem regulados: a cobrança há de ser feita de acordo com as regras estabelecidas na lei, mas sem abusos.

Mas, veja só: mesmo cobrado sem abusos, a situação do devedor é de alta desvantagem: ele pode ser protestado, pode ter seu nome lançado nos serviços de proteção ao crédito (ou seja, negativado), o que já o limita nas ações sociais – ele, nessa condição, fica reduzido em suas possibilidades de compras; ademais, ele pode ser cobrado judicialmente e ter seus bens penhorados; pode perdê-los em hasta pública. Isso tudo já não basta?

Para a Lei sim. O credor pode exercer plenamente seu direito de cobrar, mas não pode constranger, humilhar, maltratar o devedor. Se o dono da padaria tem um cheque que voltou sem fundos, pode protestá-lo e executar o emitente, mas não pode estampar o cheque na boca do caixa, como era usual antigamente.

A boa notícia: deu certo! Após e entrada em vigor do CDC, os credores melhoraram seus sistemas de cobrança, deixando de humilhar e constranger seus clientes-devedores e, nem por isso, ficaram sem receber aquilo a que tinham direito. Naturalmente, os que continuaram e ainda continuam com a prática das cobranças abusivas têm sido punidos pelo Poder Judiciário, condenados a pagar indenizações por danos morais.

Infelizmente, como disse no início desse texto, aquilo que havia sido banido das práticas comerciais pela porta de frente, voltou de forma sórdida e sorrateira pelas portas dos fundos da assembleia condominial. Como disse meu amigo Outrem Ego sobre o tema: "Não sei de quem foi a ideia, mas é incrível como alguém sempre tem uma que possa causar danos e violar a dignidade da pessoa humana e é de admirar que encontre seguidores".

Como eu mesmo disse na entrevista a que me referi: "Cortar a água de alguém é absolutamente constrangedor. Viola a dignidade dessa pessoa. O condomínio pode ir à Justiça para cobrar, penhorar os bens dele para pagar a dívida, mas ele tem que ser respeitado. Daqui a pouco vão impedir o condômino de subir de elevador, vão impedir que ele entre no prédio... O porteiro não vai abrir a porta? É uma coisa absurda. A gente vê por aí como é abusivo mesmo. Viver em sociedade é isso. Os outros condôminos podem entender o drama de alguém que não tem condições de pagar".

Agora acrescento. Proibir uma pessoa de tomar banho, de fazer suas necessidades, de lavar o alimento que irá ingerir, de lavar seus pratos, etc. é medonho: uma violação ao sistema jurídico democrático estabelecido no Brasil. Um ataque à dignidade da pessoa humana, que tem consequências morais, psicológicas e também materiais. A pessoa ficará doente e, não só sua saúde será atingida, mas também sua imagem, sua alma. Quem assistiu ao Programa da Rede Globo viu o exemplo da matéria levada ao ar: desempregado, um cabeleireiro, pai de duas crianças, atrasou o condomínio e ficou mais de três meses sem água em casa. Mal falado pelos vizinhos, mergulhou em uma crise pessoal e quase se separou da mulher. Veja o absurdo: um casal e duas crianças ficaram três meses sem água em casa. Um escárnio com essas pessoas. Abertamente praticado.

E mais: um ato que pode ser enquadrado no tipo penal do art. 345 do Código Penal 3(exercício arbitrário das próprias razões), eis que a ameaça de corte ou o corte efetuado tem como finalidade suprimir a instância judicial de cobrança. (Não cito o art. 71 do CDC4, que tipifica o crime de cobrança abusiva, porque, como se sabe, não se pode fazer analogia para aplicar norma penal in mallam partem).

Mais ainda: no Estado de São Paulo (não sei quanto aos demais) com base na lei Estadual 13.160 de 21/7/2008 o condomínio pode protestar o devedor – que só por essa via já será negativado no serviço de proteção ao crédito. E, mesmo antes do protesto ou depois dele, pode ingressar com ação judicial de cobrança, nunca se esquecendo que o devedor não pode alegar impenhorabilidade de bem de família (conforme art. 3º, IV da lei 8.009/90 e pacífico entendimento da jurisprudência nesse sentido).

Repito, para concluir, que o caso mostra um retrocesso histórico enorme, um retorno a uma espécie de barbárie que havia sido extirpada das práticas nacionais. Ela é ilegal e serve para deseducar, fazendo as pessoas acreditarem que violar o outro é exercício de direito, quando está longe de sê-lo. Evidentemente, nem precisaria dizê-lo, o fato só de o ato ser autorizado por muitos (a assembleia) não muda em nada sua natureza abusiva; apenas demonstra desconhecimento e despreparo de quem vota.

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1Fantástico, rede Globo, domingo, dia 12/2/2012

2O costume jurídico, embora referido no art. 4º da lei de introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942, antes denominada Lei de Introdução ao Código Civil) como norma utilizável para o preenchimento da lacuna, na verdade é norma típica e, portanto, ou é própria e aplicável ao caso ou é elemento analógico. Para mais dados sobre esse tema, consultar meu Manual de Introdução ao Estudo do Direito, 11ª. edição, 2012, São Paulo: Saraiva, págs. Cap. 6, subitem 6.7.3.

3Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

4Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena Detenção de três meses a um ano e multa.

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* Rizzatto Nunes Desembargador do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012


Lei Maria da Penha
STF - É constitucional art. da lei Maria da Penha que impede benefício da suspensão condicional
Ao julgar o HC 106212 (clique aqui), no qual Cedenir Balbe Bertolini contestava a pena restritiva de liberdade de 15 dias, convertida em pena alternativa de prestação de serviços à comunidade, o STF, por unanimidade, declarou a constitucionalidade do art. 41 da lei Maria da Penha (11.340/06 – clique aqui), como segue:
"Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995".
Assim, os agressores enquadrados na lei não podem ter o benefício da suspensão condicional do processo.
A decisão afasta a aplicação do art. 89 da lei 9.099/95 (clique aqui), que trata de crimes de menor potencial ofensivo e institui o benefício da suspensão condicional do processo. Institui o art.:
"Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de freqüentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos."
Cedenir Balbe foi punido pela Justiça do MS com base no art. 21 da lei das Contravenções Penais (3.688/41  - clique aqui), sob a acusação de ter desferido tapas e empurrões em sua companheira. A defesa de Cedenir apelou ao TJ/MS e ao STJ.
No Superior, a defesa que interpôes o HC alegou que o art. 41 da lei Maria da Penha seria inconstitucional, uma vez que ofenderia o art. 89 da lei 9.099/95. Dessa forma, seria possível a suspensão do processo, por dois a quatro anos, nos crimes em que a pena mínima é de até um ano, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime.
A Defensoria Pública da União, que atuou em favor de Cedenir, também alegou que, por se tratar de crime de menor poder ofensivo, a competência do julgamento do acusado seria do juizado criminal especial e não do juizado especial da mulher.
Votação
Na sessão plenária de ontem, 24, todos os ministros votaram pela denegação do HC, acompanhando o voto do ministro Marco Aurélio, relator. Para o ministro, o art. 226, parágrafo 8º da CF/88 (clique aqui), que dispõe que "o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações", garante a constitucionalidade do art. 41. O ministro lembrou a proposta de Ruy Barbosa, que defendia que a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais: no caso de violência no lar, a mulher encontra-se em situação desigual perante o homem.
Quanto à alegação do acusado de que o caso deveria ser julgado pelo juizado criminal especial diante da baixa ofensividade do delito, Marco Aurélio argumentou contra a improcedência do pedido. Os ministros assinalaram a gravidade da violência contra a mulher, porque não se trata apenas de violência física, mas também psíquica e emocional, com consequências às vezes permanentes.
O ministro Luiz Fux acompanhou o voto do relator afirmando que os juizados especiais da mulher julgam com maior agilidade e permitem aprofundar as investigações dos agressores domésticos.
Dias Toffoli recordou a desigualdade histórica que a mulher sofre em relação ao homem, a ponto de, até 1830, o direito penal brasileiro permitir ao marido matar a mulher se a encontrasse em situação de adultério. Para o ministro, a evolução do direito brasileiro encontrou seu ápice na CF/88, ao assegurar a igualdade entre os gêneros. Toffoli também disse que ações afirmativas ainda são necessárias para a transformação da lei formal em lei material, defendendo a inserção diária, nos meios de comunicação, de mensagens afirmativas contra a violência da mulher e o fortalecimento da família.
A ministra Cármen Lúcia foi enfática ao dizer que o "Direito não combate preconceito, mas sua manifestação", lembrando de sua própria experiência ao dizer que "mesmo contra nós há preconceito", referindo-se, além dela, à ministra Ellen Gracie e à vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. Como exemplo, Cármen Lúcia citou o espanto de cidadãos quando descobrem que em um carro oficial elas se encontram como passageiras. "A vergonha e o medo são a maior afronta aos princípios da dignidade humana, porque nós temos que nos reconstruir cotidianamente em face disto", concluiu ela.
Para o ministro Ricardo Lewandowski, ao votar o art. 41, o legislador disse claramente que o crime de violência doméstica contra a mulher é de maior poder ofensivo. O ministro Joaquim Barbosa lembrou da capacidade da lei Maria da Penha de contribuir para restituir a liberdade da mulher e por fim ao poder patriarcal do homem em casa.
Gilmar Mendes considerou a lei "legítimo experimento institucional". De acordo com o ministro, a violência doméstica contra a mulher decorre de uma situação de domínio, geralmente provocada pela dependência econômica feminina.
O ministro Ayres Britto citou os arts. 3º e 5 º da CF/88, definindo como "constitucionalismo fraterno" a filosofia de remoção de preconceitos contida na Carta Magna. Já Ellen Gracie lembrou que a lei Maria da Penha foi editada quando ela presidia o CNJ e ensejou um impulso ao estabelecimento de juizados especiais da mulher.
Por fim, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, afirmou que o art. 98 da CF/88, não definiu o que sejam infrações penais com menor poder ofensivo. Dessa forma, lei infraconstitucional está autorizada a definir o que seja tal infração.
Assim, por unanimidade, o STF negou o HC de Cedenir Balbe Bertolini.
Link para a apelação criminal de Rafinha Bastos: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20120210-04.pdf



Caixa preferencial deve situar-se no térreo de agência bancária
A 3ª turma do STJ negou provimento ao REsp interposto pelo Banco Itaú Unibanco S/A e manteve a condenação de dano moral coletivo por apresentar caixa de atendimento preferencial no segundo andar de uma agência bancária em Cabo Frio/RJ.
O Itaú recorreu ao STJ, alegando que não seria possível a condenação porque a demanda é coletiva e, portanto, transindividual, o que seria incompatível com a noção de abalo moral, essencial à caracterização da responsabilidade civil nesses casos.
O ministro Massami Uyeda, relator, destacou que, embora o CDC admita a indenização por danos morais coletivos e difusos, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar esse tipo de dano, resultando na responsabilidade civil. "É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e transborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva", esclareceu o relator.
Para Uyeda, este é o caso dos autos. Ele afirmou não ser razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de locomoção (idosos, deficientes físicos, gestantes) à situação desgastante de subir 23 degraus de escada para acessar um caixa preferencial. O ministro destacou que a agência tinha condições de propiciar melhor forma de atendimento.
O valor da condenação por dano moral coletivo é revertido para o fundo estadual previsto na lei da ação civil pública (lei 7.347/85).
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.221.756 - RJ (2010/0197076-6)
RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
RECORRENTE: BANCO ITAÚ UNIBANCO S/A
ADVOGADOS: CARLOS MARTINS DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
LUCIANO CORREA GOMES E OUTRO(S)
ADVOGADA: LIVIA BORGES FERRO FORTES ALVARENGA
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EMENTA
RECURSO ESPECIAL - DANO MORAL COLETIVO - CABIMENTO - ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - REQUISITOS - RAZOÁVEL SIGNIFICÂNCIA E REPULSA SOCIAL - OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - CONSUMIDORES COM DIFICULDADE DE LOCOMOÇÃO - EXIGÊNCIA DE SUBIR LANCES DE ESCADAS PARA ATENDIMENTO - MEDIDA DESPROPORCIONAL EDESGASTANTE - INDENIZAÇÃO - FIXAÇÃO PROPORCIONAL - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - A dicção do artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor é clara ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente.
II - Todavia, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde oslimites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Ocorrência, naespécie.
III - Não é razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de locomoção, seja pela idade, seja por deficiência física, ou por causa transitória, à situação desgastante de subir lances de escadas, exatos 23 degraus, em agência bancária que possui plena capacidade e condições de propiciar melhor forma de atendimento a tais consumidores.
IV - Indenização moral coletiva fixada de forma proporcional e razoável ao dano, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
V - Impõe-se reconhecer que não se admite recurso especial pela alínea "c" quando ausente a demonstração, pelo recorrente, das circunstâncias que identifiquem os casos confrontados.
VI - Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília, 02 de fevereiro de 2012(data do julgamento)
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto pelo BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A., fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", do permissivo constitucional, em que se alega violação ao artigo 927 do Código Civil.
Os elementos existentes nos presentes autos noticiam que o ora recorrido, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, ajuizou, em face do ora recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A., ação civil pública visando compelir o ora recorrente a manter, no andar térreo de uma de suas agências, caixa convencional, para atendimento prioritário a idosos, gestantes, deficientes físicos e pessoas com dificuldade de locomoção, bem como o pagamento de indenização por danos morais coletivos (fls. 3/17).
Devidamente citado (fl. 58), o ora recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A., apresentou defesa, na forma de contestação. Nela, em resumo, apontou ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público em razão da ausência de direitos indisponíveis. Disse, também, que "(...) o atendimento aos clientes e usuários é prestado nos dois pavimentos, existindo porta lateral para o acesso de pessoas portadoras de deficiência física ou com mobilidade reduzida (temporária ou definitiva), sem prejuízo do sistema de segurança existente." (fl. 93). Outrossim, sustentou que não há dano moral coletivo indenizável. Pediu, ao final, aimprocedência dos pedidos (fls. 81/111).
O r. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Cabo Frio/RJ, julgou procedente a demanda. Dentre seus judiciosos fundamentos, é possível destacar que: "(...) De fato, como se constata do auto de inspeção realizado no inquérito civil por dois Promotores de Justiça - fls. 33 - somente no segundo pavimento da agência havia uma única caixa com a indicação de 'atendimento prioritário' e ali é que se concentravam os idosos aguardando o atendimento, após serem obrigados a subir uma escada de 23 degraus. Daí não é difícil imaginar os sentimentos de frustração, humilhação e indignação de tais consumidores, solapados em seus direitos 'garantidos' por lei." E, ao final, foi categórico, ao entender por bem: "(...)condenar a ré a manter, no andar térreo de sua agência nº 1209 - Cabo Frio, caixaconvencional para o atendimento prioritário de idosos, gestantes e portadores dedeficiência física, com os elementos de identificação adequados para a orientação da coletividade interessada no referido serviço." (fl. 327/328) Condenou, ainda, a pagar a título de dano moral coletivo, o valor de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), importe que deverá ser revertido ao fundo estadual previsto no artigo 13 da Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) (fls. 318/328).
Irresignado, o ora recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A., interpôs recurso de apelação. Em síntese, insistiu na tese de ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público. Em seguida, sustentou que possibilita adequado atendimento às pessoas idosas, com deficiência ou mesmo com dificuldade de locomoção. Finalmente, pleiteou o afastamento da condenação em dano moral coletivo ou, pelo princípio da eventualidade, sua redução (fls. 338/370).
O egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Sétima Câmara Cível, por unanimidade de votos, deu parcial ao recurso de apelação interposto pelo ora recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A., para reduzir a indenização por danos morais coletivos, fixando-a em R$50.000,00 (cinquenta mil reais). A ementa, por oportuno, está assim redigida:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGÊNCIA BANCÁRIA. INEXISTÊNCIA DE CAIXA CONVENCIONAL NO ANDAR TÉRREO, PARA ATENDIMENTO PRIORITÁRIO DE PESSOAS IDOSAS, PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E GESTANTES.DESCUMPRIMENTO DA LEI 10.098/2000 E DA LEI ESTADUAL 4374/04. O MINISTÉRIO PÚBLICO, POR FORÇA DOS ARTIGOS 127 E 129, III, DA CF, 81 E 82, DA LEI 8.078/90 (CDC) E DO ARTIGO 1º, DA LEI 7.347/85, TEM LEGITIMIDADE PARA ATUAR NA DEFESA DE DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS, QUE SECARACTERIZAM COMO DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS, DE NATUREZA INDIVISÍVEL, ASSIM COMO DOS INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, DECORRENTES DE ORIGEM COMUM. PRESENTE O INTERESSE JURÍDICO, CONSUBSTANCIADO NO BINÔMIO NECESSIDADE - UTILIDADE DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. A RELEVÂNCIA SOCIAL DO BEM JURÍDICO EM DISCUSSÃO, QUE INTERESSA A TODA COLETIVIDADE, E ESPECIALMENTE ÀQUELES GRUPOS DE PESSOAS, TORNA INDISPONÍVEIS OS INTERESSESINDIVIDUAIS. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO, INDEPENDENTEMENTE DA PROVA DA CULPA, BASTANDO A VIOLAÇÃO DE DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS. A SANÇÃO PECUNIÁRIA TEM CARÁTER PUNITIVO. O SEU VALOR DEVE SER ARBITRADO MODERADAMENTE, PROPORCIONALMENTE ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO. INDENIZAÇÃO A SER REVERTIDA AO FUNDO ESTADUAL PREVISTO NO ARTIGO 13, DA LEI 7.347/85. DANO MORAL REDUZIDO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (fls. 424/433)
Os embargos de declaração opostos às fls. 435/438, foram rejeitados às fls. 441/446.
Nas razões do especial, o ora recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A., sustenta, em resumo, que o dano moral, nos termos do artigo 927 do Código Civil, não tem caráter punitivo, mas exclusivamente reparatório. Em outras palavras, na sua compreensão, "(...) a indenização deve buscar a reparação do dano e não punir o agente causador da lesão." (fl. 452). Aduz, ainda, que é incabível a condenação em danos morais coletivos porque, segundo alega, é incompatível a transindividualidade das demandas coletivas com a noção de abalo moral, essencial para a caracterização da responsabilidade civil. Aponta, em seu favor, precedentesdesta Corte Superior (fls. 452/459).
Devidamente intimado, o ora recorrido, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, apresentou contrarrazões. Em resumo, pugnou pela manutenção integral do v. acórdão recorrido. Aproveitou, na oportunidade, para suscitar a incidência da Súmula 7/STJ ao caso.
Às fls. 537/538, sobreveio juízo negativo de admissibilidade recursal, oportunidade em que, por meio do Agravo de Instrumento n. 1.269.778/RJ, esta Relatoria determinou a subida dos autos principais, para melhor exame da matéria.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
A irresignação não merece prosperar.
Com efeito.
A controvérsia aqui agitada refere-se ao cabimento ou não, de indenização por danos morais coletivos, em Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público, que objetivou adequação na forma de atendimento prioritário em agência do ora recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A.
Resumidamente, o parquet fluminense ajuizou ação civil pública em face do ora recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S/A, com o desiderato de ver cumprida legislação concernente ao correto atendimento às pessoas idosas, com deficiência física, bem como aquelas com dificuldade de locomoção, tais como as gestantes. Apontou, em resumo, que, na Agência situada na cidade de Cabo Frio/RJ, o atendimento prioritário somente é possível após a locomoção por 23 (vinte e três) degraus, totalizando 3 (três) lances de escada, da referida Agência.
Daí porque, na visão do Ministério Público, tal circunstância seria vexatória e degradante aos direitos de cidadãos com necessidades especiais. Dessa forma, pleiteou indenização por danos morais coletivos. O r. Juízo a quo, julgou a demanda procedente e condenou o ora recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A., a manter, no andar térreo da Agência Bancária, caixa prioritário de atendimento a idosos, deficientes físicos e gestantes, bem como indenização por danos morais coletivos no importe de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), em valor a ser depositado em fundo especial, nos termos da Lei de Ação Civil Pública. Irresignado, o ora recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A., interpôs recurso de apelação, oportunidade em que, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, deu-lhe parcial provimento, apenas para reduzir a indenização por danos morais coletivos, fixando-a em R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Daí a interposição do presente recurso especial.
Inicialmente, registra-se que a dicção do artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor é clara ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente. Por oportuno, consigna-se a redação do referido dispositivo:
"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...) a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos."
Todavia, é importante deixar assente que não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso, que dê ensanchas à responsabilidade civil. Ou seja, nem todo ato ilícito se revela como afronta aos valores de uma comunidade. Nessa medida, é preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade.
Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.
A propósito, "(...) Se a doutrina e a jurisprudência, ao se pronunciarem sobre o dano extrapatrimonial individualmente considerado, ressaltam que as ofensas de menor importância, o aborrecimento banal ou a mera sensibilidade não são suscetíveis de serem indenizados, a mesma prudência deve ser observada em relação aos danos extrapatrimoniais da coletividade. Logo, a agressão deve ser significativa; o fato que agride o patrimônio coletivo deve ser de tal intensidade e extensão que implique na sensação de repulsa coletiva a ato intolerável." (ut BIERNFELD, Dionísio Renz. Dano moral ou extrapatrimonial ambiental. São Paulo. LTr, 2009, p. 120).
Na espécie, contudo, é indubitável a ocorrência de dano moral coletivo, apto a gerar indenização. Data venia, sob qualquer fundamento, não é razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de locomoção, seja pela idade, seja por deficiência física, ou por causa transitória, como as gestantes, à situação desgastante de subir escadas, exatos 23 (vinte e três) degraus, em agência bancária que, diga-se, possui plena capacidade e condições de propiciarmelhor forma de atendimento que, curiosamente, é chamado de prioritário. E, nesse contexto, o próprio recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A., admite que existe "porta lateral para o acesso de pessoas portadoras de deficiência física ou com mobilidade reduzida (temporária ou definitiva), sem prejuízo do sistema de segurança existente." (fl. 351).
De qualquer sorte, registra-se que a indenização por dano moral tem caráter propedêutico e possui como objetivos a reparação do dano e a pedagógica punição, adequada e proporcional ao dano que, no caso, restou fixada de forma parcimoniosa, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Nesse sentido, registra-se:
"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MOVIDA EM RAZÃO DE ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO CAUSADO POR "BURACO' EM RODOVIA EM MAU ESTADO DE CONSERVAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO APURADA E RECONHECIDA, PELA SENTENÇA E PELO ACÓRDÃO, A PARTIR DE FARTO E ROBUSTO MATERIAL PROBATÓRIO. CONDENAÇÃO DO ESTADO AO PAGAMENTO DE PENSIONAMENTO VITALÍCIO E DANOS MORAIS. ALEGADAEXORBITÂNCIA DO VALOR INDENIZATÓRIO (DE R$ 30.000,00) E DE HONORÁRIOS (R$ 5.000,00). DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DO ÓBICE INSCRITO NA SÚMULA 7/STJ. MANIFESTA LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO, ORA RECORRENTE.RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO.
1. (...)
4. Todavia, no que se refere à adequação da importância indenizatória indicada, de R$ 30.000,00, uma vez que não se caracteriza como ínfima ou exorbitante, refoge por completo à discussão no âmbito do recurso especial, ante o óbice inscrito na Súmula 7/STJ, que impede a simples revisão de prova já apreciada pela instância a quo, que assim dispôs:
O valor fixado para o dano moral está dentro dos parâmetros legais, pois há eqüidade e razoabalidade no quantum fixado. A boa doutrina vem conferindo a esse valor um caráter dúplice, tanto punitivo do agente quanto compensatório em relação à vítima. (grifos nossos) (REsp 965.500/ES, Rel. Min. José Delgado, DJ de 25/02/2008).
E ainda: REsp 785.777/MA, Rel. Min. Paulo Furtado (Desembargador Convocado do TJ/BA), DJe de 06/08/2010; AgRg no Ag 904.447/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 07/05/2008.
Por fim, verifica-se que o recorrente, BANCO ITAÚ UNIBANCO S. A., ao deduzir suas razões, descumpriu os artigos 541 do Código de Processo Civil e 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que não demonstrou, como deveria, o alegado dissídio jurisprudencial em relação ao caráter de transindividualidade das demandas coletivas e a possibilidade de condenação em danos morais, limitando-se em mencionar (fl. 452), como paradigma, a ementa de julgado, sem contudo, proceder ao necessário cotejo analítico entre os casos.
Impõe-se considerar, portanto, que o conhecimento do presente recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial não se revela possível (ut AgRg no REsp 843.115/TO, Relator Ministro Luiz Fux, DJe 02/10/2008; AgRg nos EREsp 721.854/SP, Relator Ministro José Delgado, Corte Especial, DJ 17/04/2006; AgRg no Ag 1.201.283 / RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 01/07/2011; AgRg no Ag 969.015/SC, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 28/04/2011).
Assim sendo, nega-se provimento ao recurso especial.
É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator